De queixo caído, os moradores da cidade de São Paulo assistiram na terça-feira 13 a mais um capítulo da novela sobre a dança das cadeiras na Prefeitura. Por nova determinação judicial, o prefeito Celso Pitta (PTN) conseguiu retomar seu cargo, pela segunda vez este ano, após 19 dias de afastamento, surpreendendo a todos e atraindo as atenções para o festival de incertezas que deixa à deriva o terceiro maior orçamento do País. Mas é longe dos holofotes que outra batalha por um lugar ao sol é travada com afinco. Políticos protagonistas da máfia da propina, cassados e execrados publicamente, esmeram-se para garantir um assento na Câmara Municipal e manter seus currais eleitorais. Como estão impedidos de disputar a eleição, escolheram seus herdeiros. O ex-deputado Hanna Garib, por exemplo, afastado da vida pública em decorrência da cobrança de propinas, aposta na candidatura de seu filho Ricardo a vereador, para vingar o que considera uma “injustiça”. Também cassada por utilizar-se do cargo público em benefício próprio, a ex-vereadora Maeli Vergniano almeja ver sua mãe, Ester Tristão Vergniano, já filiada ao PTB, no mesmo posto que ocupou por quase quatro anos. Todos negam, categoricamente, que nesse imbróglio haja algum interesse além da típica relação entre pais e filhos. “Ele tem brilho próprio”, afirma Garib pai. “Meu pai é meu pai, eu sou eu”, retruca Garib filho, também nos quadros do PTB. Tanta intimidade, porém, deixa no ar a sensação de que o próximo programa é um Vale a pena ver de novo.
Há tempos as pré-candidaturas genéticas vêm causando insatisfação e até furor dentro dos partidos e nos corredores da Câmara Municipal. Mas com a proximidade das convenções, Ester e Garibinho passaram a ser tachados pelos concorrentes de laranjas políticos. A tese recorrente entre vários vereadores é a de que, se eleitos, ocupariam o posto oficialmente, enquanto, a distância, os cassados continuariam a dar as cartas. “A utilização dos prepostos é um jogo comum na política brasileira e serve para manter o espaço clientelista do afastado por meio de influência na máquina administrativa. O Pitta, por exemplo, é um preposto do Maluf”, argumenta o líder do PT na Câmara, José Eduardo Martins Cardozo, que prefere não falar dos novos candidatos.

Apesar das críticas veladas dos adversários, Garibinho e Ester contam com um álibi irrefutável: ainda não há comprovação científica de que certas nuances de comportamento são transmitidas geneticamente. E, constitucionalmente, eles têm o direito de concorrer a um cargo público. Paulo Frange, do PTB, utiliza-se do mesmo argumento do colega petista para falar sobre as polêmicas pré-candidaturas. “Sou a favor da candidatura de qualquer pessoa que tenha os pré-requisitos legais. Mas há um clima de descontentamento muito forte em meu partido por causa da aceitação de certos nomes”, diz Frange. “O partido está com uma batata quente nas mãos.”

O motivo de tanto mal-estar entre os petebistas extrapola o fator família. Na lista de pré-candidatos a vereador pelo PTB aparecem, além de Ester e Garibinho, Arlindo Afonso Alves e Eduardo Namem. O primeiro foi administrador regional da Mooca. Amigo do deputado federal Zé Índio (PMDB), é suspeito, segundo a Polícia Civil, de participar de esquemas de corrupção encabeçados pelo irmão do deputado, Maurício Ferreira do Nascimento. Namem, apresentador de tevê e terapeuta holístico, trabalhou como assessor de Hanna Garib e foi chefe da fiscalização de ambulantes na regional da Sé. Também está sendo investigado pela polícia por corrupção. Alves e Namem são figuras conhecidas da máquina administrativa. “Meu destino foi traçado por Deus. Trabalhei com entidades filantrópicas e reformei praças enquanto estava na regional. Mas as pessoas só lembram das coisas ruins”, reclama Alves. Namem, há dez anos na política, sabe que não vai contar com o apoio de seu ex-chefe Hanna Garib. “Ele me falou que seu candidato é o filho e não apoiará outro.” Quanto às denúncias de que esteve envolvido na máfia dos fiscais, foi categórico: “Quem me acusou voltou atrás e desmentiu o que disse.” Líderes dos petebistas temem que a candidatura de Garibinho, Ester, Namem e Alves desestimule o eleitor a votar na legenda.

Pisando em ovos – O presidente nacional do PTB, ex-deputado Gastoni Righi, admite “estar pisando em ovos”. Segundo ele, vereadores do partido reclamaram da candidatura do grupo. “Mas também recebi manifestações de apoio a essas candidaturas, principalmente a do Ricardo Garib.” Garibinho vem enfrentando problemas na campanha. Luta para não ser confundido com o pai, embora queira os votos dos eleitores dele, um dos políticos mais bem votados da cidade. Estudante do 2º ano de Administração de empresas da FMU, ele prefere omitir o sobrenome na propaganda. “Ricardo? Vem, aí” é o slogan pichado nos muros das zonas norte e leste da cidade. Mas é impossível não ser notado, tendo o pai que tem. Coruja, Garib anda fazendo campanha para o filho. Pelo menos 30 fiéis da Assembléia de Deus do Ministério Madureira, na Rua Evaristo Pereira Escorsa, no bairro de São Mateus, ouviram no domingo 4 o ex-deputado, no culto das 19 horas, clamar: “Meu filho vai ganhar e vingar tudo o que fizeram comigo.” Para transformar o púlpito em palanque, Garib teria doado uma caixa de som ao templo, segundo relatou uma evangélica, que preferiu não ser identificada.
Bem mais discreto está sendo o trabalho de Ester Vergniano e sua filha. Esta senhora, que não conta a idade (“passo dos 60”) nem assume a candidatura, é vista no partido como um nome com fortes chances de se eleger. “Prefiro esperar as convenções”, abrevia. Tanta calma está na certeza dos votos da Assembléia de Deus, igreja da qual faz parte e cujos fiéis foram os responsáveis pela eleição da filha Maeli. Irmã Ester, como é chamada, afirma estar no trabalho social há 27 anos e ter experiência suficiente para enfrentar um mandato. A indecisão de virar política fica por conta do sofrimento de ter visto a cassação da filha. “Foi muito desagradável e até hoje não entendemos muito bem o caso. Sofremos por Maeli”, conta. A ex-vereadora tem no seu currículo outras passagens na política. Foi assessora de um dos anões do escândalo do orçamento: o ex-deputado Manoel Moreira.

Ciranda – Enquanto a ciranda familiar vai ampliando sua roda para buscar votos na convenção partidária que definirá os candidatos à Câmara, o prefeito Celso Pitta dança conforme o ritmo das liminares. Os momentos de glória desfrutados na semana passada durante seu retorno ao cargo podem estar, pela terceira vez, chegando ao fim. O Ministério Público Federal já entrou com recurso pedindo ao presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Costa Leite, que suspenda a decisão do próprio STJ, que reconduziu Pitta à principal cadeira do Palácio das Indústrias, sede do Executivo da maior cidade da América do Sul.

“Honestidade é obrigação”

Gestos amplos, voz alta, tapinha nas costas e frases de efeito sempre na ponta da língua para agradar a um potencial eleitor. “Te digo, minha amiga, honestidade é obrigação, não é qualidade”, brada o jovem Walter Abrahão Filho, 21 anos, outro descendente de uma linhagem tradicional do malufismo que disputa uma vaga na Câmara neste ano. Concorrente direto de Ricardo Garib, de quem quer, ou melhor, exige, distância, o pré-candidato do PFL se autodefine: “Sou como um idiota querendo mudar o mundo. Choro quando volto da periferia. Outro dia, uma pessoa morreu do meu lado!” Mas há mais semelhanças entre Garibinho e Waltinho do que os dois podem imaginar. Como seu rival, Waltinho repudia qualquer insinuação de que estaria sendo colocado no Legislativo pelas mãos do pai, o atual presidente do Tribunal de Contas do Município e ex-vereador Walter Abrahão. “Foi iniciativa minha por pura revolta política”, justifica. “Ele pode ser atacado devido ao grau de parentesco e à administração de seu pai frente ao TCM”. diz o vereador Cardozo, líder do PT.

O órgão, segundo vereadores da oposição, teria dado sustentação às irregularidades promovidas por Maluf e Pitta. “Não sei por que insistem em dizer essas barbaridades. A provamos todas as contas juntamente com a Câmara”, defende-se Walter pai, amigo de Maluf e do empresário Jorge Yunes, cujo empréstimo feito a Pitta está causando o vai-e-volta do prefeito ao cargo. A diferença entre os dois jovens fica por conta da plataforma política. “Quero que a população me traga seus problemas para, a partir deles, fazer os meus projetos de lei”, afirma Waltinho. Garibinho inverte: “Meu projeto é não ter projeto. Vou fazer o que o povo mandar.”