A história do empresário Carlos Sérgio Martins mostra com nitidez que, quando se trata de fazer cumprir a lei, nem todos são iguais. Ele tem 54 anos e trabalha desde os 14. Foi funcionário da Mercedes-Benz e da Ford e, em 1974, abriu a Guaporé Indústria Metalúrgica Ltda., em São Caetano do Sul (SP). A empresa chegou a empregar 25 pessoas e contava 22 máquinas em seu patrimônio. Em 1991, a Guaporé faliu. Antes de fechar as portas, no entanto, Martins saldou todas as dívidas trabalhistas e até hoje mantém uma relação de amizade com os antigos funcionários. Casado e pai de três filhos, o empresário transferiu-se para Valinhos (SP) e passou a se dedicar à instalação de pisos sintéticos em quadras de bocha (um jogo de origem italiana), o que lhe permite um rendimento mensal de R$ 1,5 mil. Tinha uma vida comum, até que em 4 de abril tudo mudou. Estava trabalhando e foi abordado por policiais militares. “Pediram os documentos de meu carro, um Escort 86. Viram que tudo estava em ordem, mas, ao se comunicarem com a delegacia, receberam a informação de que havia ordem de prisão contra mim”, lembra o empresário. Martins foi levado para a Cadeia Pública de Jundiaí e durante 22 dias dividiu com três inadimplentes de pensão alimentícia e dois estupradores uma cela de aproximadamente 20 metros quadrados. “Vivi um inferno”, recorda-se.

Martins não sabia sequer que era um procurado, mas, para a Justiça, o empresário é, desde 1991, o depositário infiel das máquinas que poderiam garantir as dívidas da Guaporé com tributos estaduais e federais. “As máquinas ficaram com o leiloeiro designado pela Justiça, exatamente para saldar as dívidas”, afirma. Na verdade, o empresário diz ter sido vítima de um golpe. As máquinas estavam sob os cuidados do leiloeiro Manuel Pereira, que as repassou ao próprio Martins. “Na época, tinha a esperança de salvar a empresa e fiz o negócio, em 23 prestações. Paguei as quatro primeiras, mas fui despejado. Então, devolvi as máquinas ao leiloeiro. Não sei o que ele fez com elas, deveria tê-las repassado ao Estado”, explica. Ele não sabe por onde anda o leiloeiro.

Sofrimento – Na cadeia, Martins só recebia visitas às quintas-feiras e dormia em um colchonete no chão. “Nos primeiros três dias chorei sem parar”, afirma. Ele ficou em uma cela reservada aos presos que aguardam julgamento, mas podia ver e ouvir tudo o que se passava nas outras celas. “A primeira lição que se aprende é a da lei do silêncio. Em uma cadeia acontece todo tipo de violência. Vale a lei do mais forte, mas ninguém pode ouvir ou ver nada, nem mesmo os carcereiros. Essa lei é para valer, pois esses bandidos um dia sairão de lá”, explica. O empresário lembra que a maior tensão ocorreu quando um dos estupradores que estavam em sua cela foi transferido para outra. “Naquele dia, os presos fizeram um cordão humano em torno das grades para que ninguém visse o que acontecia lá dentro. Só se ouviam alguns gritos. Logo depois soube que o estuprador tinha morrido.” Martins também afirma que as leis da cadeia são aprendidas rapidamente e tudo é feito com aviso prévio. “Horas antes de ocorrer o assassinato do estuprador, uma frase era dita por todos: ‘Hoje a cadeia vai virar.’ Isso é um tipo de senha para a violência maior, que serve ainda para avisar a proximidade de alguma rebelião.”

Martins conta que à noite muitos presos gritam, apanham e outros apenas choram. “Não existe silêncio e isso é proposital. Enquanto alguns fazem barulho, os outros batem nas paredes e no chão para cavar algum buraco visando uma futura fuga”, diz o empresário. Martins passou a maior parte dos 22 dias em que permaneceu na cadeia lendo a Bíblia e vendo televisão, em um pequeno aparelho levado por sua mulher.

Dívidas – Se na cadeia o empresário não dormia por causa do barulho, em casa ele agora tem outros motivos para perder o sono. Para poder sair da prisão, teve de pagar pelo menos o principal das dívidas que contraiu: R$ 128 mil. Com os juros e a correção, esse valor chega a R$ 434 mil. O problema é que, para pagar o principal da dívida, ele acabou fazendo um negócio impossível. Recorreu a amigos para arrecadar R$ 20 mil e se comprometeu a pagar mais seis prestações de R$ 18 mil. “Jamais poderei honrar isso. Agora vou brigar para ter os mesmos direitos dos grandes sonegadores deste país, que parcelam suas dívidas em dezenas de anos e nunca vão para a cadeia”, promete. “Quero ser tratado como eles, brasileiros de primeira classe.”