Trinta anos atrás, escolas públicas no Brasil tinham aulas de Arte Dramática, debates literários, ateliês de arte e laboratórios de Ciências e fotografia funcionando. Numa dessas escolas estaduais, a Antonio Alves Cruz, em Pinheiros (zona sul de São Paulo), as acaloradas discussões sobre Machado de Assis – as quais muitas vezes terminavam em briga na diretoria –, a proximidade com o teatro e a paixão pela fotografia, com certeza ajudaram o paulistano André Klotzel a se tornar um cineasta de prestígio. Não por acaso, Klotzel, 45 anos, autor de filmes como Marvada carne e Capitalismo selvagem, concluirá nas próximas semanas Memórias póstumas de Braz Cubas, com lançamento previsto para o segundo semestre. No Alves Cruz, como a escola é popularmente conhecida, também estudaram figuras conhecidas como a cantora Ná Ozzetti, a diretora do recente sucesso da Rede Globo A muralha; Denise Saraceni, a economista Lídia Goldstein e músicos do ex-grupo Rumo, como Paulo Tatit, um dos criadores do selo de música infantil Palavra Cantada. O Alves Cruz, era uma escola instigante. Grande parte de seus professores veio da USP e viveu o período de efervescência política das assembléias e passeatas estudantis em 1968. “Muito do que se apontou depois como exemplo de escola moderna, já existia na nossa escola. O uniforme, por exemplo, foi abolido numa determinada época. Não tínhamos normas tão rígidas como outros colégios”, lembra Klotzel, que fez o ginásio e colegial no Alves Cruz, entre 1965 e 1972. “A escola tinha um quê de vanguarda. Fomos pioneiros ao fazer trabalhos em equipe, por exemplo.” O ex-aluno Paulo Tatit ressalta a formação que ele e seus colegas tiveram. “Isso mostra que ensino de qualidade não é nem deve ser privilégio da escola particular. O pessoal formado pelo Alves Cruz conseguiu sucesso e está bem posicionado. Pena que, agora, os professores são mal pagos e não podem investir em conhecimento. Não têm como comprar livros, ir ao cinema ou ao teatro e se atualizar.”

Foto: André Sarmento
Para garantir a vinda da professora Elaine (no detalhe), que vive na França, alunos pagaram a sua passagem

Por isso, um grupo de ex-alunos – formado por empresários, profissionais liberais e artistas – se uniu para ajudar o colégio e também promover ações a fim de resgatar a imagem da escola pública. Há 15 dias, 70 antigos mestres do Alves Cruz foram homenageados durante uma grande festa na escola. Entre eles, estava Elaine Beraldo, ex-professora de Ciências e Biologia, hoje bibliotecária e desde 1974 radicada na França. Elaine ficou emocionada ao receber a notícia de que antigos alunos haviam se cotizado e comprado a passagem de avião para que pudesse ser homenageada em São Paulo. “Sabia que teríamos influência no futuro deles, mas não tanta. Foi muito gratificante perceber os frutos da nossa experiência”, orgulha-se a professora. O grupo pensa agora em criar uma ONG para atuar em defesa do ensino público. A intenção é desenvolver atividades culturais e esportivas, organizar campanhas e buscar recursos. Até um site (www. alvesagora.com.br) já foi criado. “Queremos também envolver outras escolas”, diz o médico e ex-aluno Zyun Masuda. “Essa mobilização já está contagiando os nossos estudantes”, agradece, comovida, a diretora Rosana Martinelli.

Ajuda de peso

 

Foto: André Sarmento
O cineasta Klotzel: debates e novo filme

Empresários e banqueiros também se mostram preocupados com a escola pública e começam a apoiar projetos para melhorar a qualidade de ensino. Um deles, o Banco na Escola – patrocinado por nove bancos estrangeiros –, pretende ajudar as escolas a gerir melhor os seus recursos. Outro, do grupo Telefônica, levará a Internet em alta velocidade para 2.170 colégios da rede estadual em São Paulo. A idéia é formar educadores ligados à área de gestão escolar e desenvolver uma tecnologia de controle dos recursos da educação. “Vamos colocar à serviço da comunidade o maior conhecimento que os bancos detêm: a gestão financeira”, explica Marcelo Santos, presidente da Fundação BankBoston. “O problema hoje não é a falta de recursos, mas sim a aplicação”, garante Cenise Monte Vicente, coordenadora do projeto. Apóiam ainda a iniciativa os bancos ABN, Chase, Bandeirantes, BBVA, Citibank, Morgan, Lloyds e M. Lynch. Já a Telefônica deve atender 3,3 milhões de alunos de 500 municípios paulistas, reproduzindo experiência adotada na Espanha.