Ao deixar o Palácio do Eliseu em 2012, Nicolas Sarkozy passou a dedicar-se mais aos holofotes das colunas sociais do que à vida partidária francesa. Na semana passada, porém, o ex-presidente estava de volta às manchetes, mas não das revistas de celebridades que ele costuma frequentar em companhia da mulher, a ex-modelo Carla Bruni. Sarkozy era notícia na fronteira perigosa entre o noticiário político e o policial. Na terça-feira 1º, ele teve de enfrentar uma situação inédita para um ex-mandatário do País. Nas primeiras horas do dia, Sarkozy se dirigiu a uma delegacia na periferia de Paris, onde foi detido e indiciado por corrupção ativa, tráfico de influência e violação de sigilo profissional. Só voltou para casa na madrugada de quarta-feira, depois de prestar depoimento por 15 horas.

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IMAGEM PÚBLICA EM XEQUE
Depois de ser preso e depor em Paris na terça- feira 1º, Nicolas Sarkozy
foi indiciado por corrupção ativa, tráfico de influência  e violação de
sigilo profissional. A imprensa, que registrou de moto a chegada
do ex-presidente à delegacia, deu ampla cobertura ao caso

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Era tudo que não esperava. Sarkozy planejava para muito breve um regresso triunfal à cena política, aproveitando-se dos índices de impopularidade amargados pelo atual presidente, François Hollande (em junho, sua aprovação chegou a apenas 20%, segundo o instituto Ifop). Sarkozy é suspeito de ter usado sua influência para obter informações privilegiadas sobre os processos a que responde na Justiça. Em troca, ele teria prometido a um juiz um cargo de alto escalão em Mônaco, nunca entregue. Além de Sarkozy, foram detidos seu advogado, Thierry Herzog, e outros dois magistrados. Se for condenado, o ex-presidente pode ter de cumprir até dez anos de prisão, além de pagar multa. “Contra mim, tudo é permitido e autorizado,” esbravejou Sarkozy em entrevista exibida pela rede de tevê francesa TF-1 e pela rádio Europe 1, logo após ser libertado. Para ele, as acusações que sofre são “grotescas” e utilizam o sistema judiciário com “fins políticos”. “Foi por vontade de me humilhar que me convocaram sob o estatuto da detenção provisória,” alegou.

A polícia chegou a Sarkozy, a seu advogado e aos magistrados depois de grampear os telefones do líder conservador num inquérito sobre um suposto esquema de financiamento ilegal de sua campanha presidencial de 2007. O ex-ditador líbio Muamar Kadafi teria doado 50 milhões de euros. Quando soube das escutas, Sarkozy trocou de telefone e passou a usar o pseudônimo Paul Bismuth para falar com seu advogado e influenciar o andamento das investigações, segundo as autoridades responsáveis pelo caso. Mas o escândalo atual não foi o único em que Sarkozy se viu enredado desde que deixou o Palácio do Eliseu e deixou de desfrutar da imunidade presidencial. Seu nome também está envolvido em acusações como a manipulação de Liliane Bettencourt, bilionária herdeira da L’Oréal e dona de uma saúde mental frágil, e o favorecimento do empresário e amigo Bernard Tapie, que levou 430 milhões de euros num processo de arbitragem contra o Estado francês. Ainda assim, Sarkozy não é o primeiro ex-presidente a sentar no banco dos réus na França. Jacques Chirac, a quem Sarkozy serviu como ministro do Interior, foi condenado, em 2011, por mau uso de dinheiro público e abuso de autoridade durante seu mandato como prefeito de Paris.

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Os danos à imagem pública de Sarkozy, provocados pela detenção na semana passada, podem ter consequências políticas irremediáveis para a carreira do ex-presidente. “Mesmo se ele escapar de uma punição dessa vez, será muito difícil para Sarkozy voltar daqui a dois anos e meio e começar uma nova campanha dizendo ser o homem que vai salvar a França,” disse à ISTOÉ Philippe Marliere, professor de política francesa e europeia na University College, de Londres. “Mas não podemos esquecer que ele é um político muito resiliente.” Ainda que Sarkozy seja hoje o favorito para derrotar Hollande na eleição de 2017, os franceses receberam suas desculpas com ceticismo. Em pesquisa publicada pelo jornal centrista “Le Parisien”, 63% disseram não acreditar que Sarkozy tenha sido vítima de um complô político. A líder da extrema direita, Marine Le Pen, é quem espera atrair os votos dos conservadores. “Sarkozy está desacreditado,” decretou ela.

Fotos: Pascal Rossignol/REUTERS; DOMINIQUE FAGET/AFP PHOTO