Não são maquetes, mas uma gigantesca parede de vídeo medindo 280 metros de comprimento, a grande atração da 7ª Mostra Internacional de Arquitetura da Bienal de Veneza, mais importante evento do gênero, em cartaz até 29 de outubro. Somando 39 telões, a instalação do curador Massimiliano Fuksas provoca uma verdadeira vertigem, com imagens do caos urbano de 11 megalópoles, São Paulo incluída. O mosaico planetário ilustra o tema Cidade: menos estética, mais ética, que norteia as propostas apresentadas por 36 países e por mais de 300 arquitetos. Entre eles, estrelas como o francês Jean Nouvel, a iraniana Zaha Hadid e o inglês Richard Rogers. Muito bem representado por Paulo Mendes da Rocha e João Filgueiras Lima, o Lelé, o Brasil trouxe projetos bem adequados à preocupação da curadoria em refletir a crescente degradação dos grandes centros urbanos.

Lelé teve sua obra de mais de quatro décadas, iniciada ao lado de Oscar Niemeyer, em Brasília, resumida nos segmentos Fábricas de cidades, Fábrica de escolas e Fábrica de hospitais. A classificação, cunhada pelas curadoras Glória Bayeux e Rosa Artigas, decorre do seu trabalho com pré-fabricados em equipamentos urbanos como abrigos de ônibus e passarelas, em escolas públicas e em hospitais, especialmente os da rede Sarah Kubitschek. Contrário à dissociação entre ética e estética, Lelé acha que a beleza deve estar presente mesmo num banco de concreto. “Nos países ricos existe uma tendência em se valorizar propostas originais e extravagantes. Acho que a crítica da bienal é mais em cima disto.”

Foto: Edson Ruiz/Divulgação

Lelé: uso de pré-fabricados em equipamentos urbanos, escolas públicas e hospitais como o Sarah Kubitschek, de Brasília

Autor dos projetos da reforma da Pinacoteca do Estado de São Paulo e do Museu Brasileiro da Escultura (Mube), Mendes da Rocha preferiu apresentar três propostas de intervenção urbana não-realizadas – Cidade-porto fluvial às margens do rio Tietê; Proposta de urbanização da Baía de Vitória; e Reurbanização da área da Baía de Montevidéu. De acordo com o arquiteto, do ponto de vista técnico hoje tudo pode ser feito pela melhoria da vida. O problema ético é justamente decidir o que fazer. “Uma guerra deve custar uma Veneza por dia, mas não se faz nada para recuperá-la”, afirma.

Como sempre acontece em eventos do porte da Bienal de Veneza, que nesta edição abarca uma área de 57 mil metros quadrados, muitos artistas viajaram bastante em torno do binômio ética/estética e um número ainda maior simplesmente tentou se livrar da sua camisa de força conceitual. Ao receber o Leão de Ouro pelo conjunto da obra, o italiano Renzo Piano – autor das linhas vanguardistas do Centre Georges Pompidou, de Paris – resumiu com clareza o espírito da mostra. “Esta bienal é uma torre de Babel, mas é da Babel que nascem novas idéias.” A sacada mais polêmica veio França, que não expôs absolutamente nada. Apenas escreveu um manifesto nas paredes do seu pavilhão e está promovendo debates num vaporetto – o conhecido barco de transporte coletivo veneziano – atracado em frente aos Giardini di Castello, sede da exposição. O comissário do pavilhão, Jean Nouvel – autor dos projetos para a empresa Interunfall, em Bregenz, exibido no pavilhão da Áustria, e para o condomínio Nemaussus, no interior da França, no anexo Arsenale –, recebeu o Leão de Ouro oficial pela melhor interpretação do tema.

Foto: Hélcio Nagamine/Divulgação

Nouvel, criador dos escritórios da empresa Interunfall, na Áustria: prêmio máximo pela melhor 1interpretação do tema proposto

Existem, no entanto, propostas não tão sérias, mas bem mais atraentes que a francesa. Para discutir o limite cada vez menor entre o coletivo e o privado, a Holanda montou a arejada sala de estar Cidade privada/casa pública, assinada pelo grupo NL Architects, com sofás-cama, Internet conectada a telões e bebedouros. Ao fugir do sol escaldante e entrar no providencial oásis, o visitante tem de tirar os sapatos. Não pense, porém, que as tradicionais maquetes foram abolidas da bienal. Existem centenas delas, deslumbrantes, feitas de materiais impensáveis e apresentadas das formas mais arrojadas. Descontadas as pirotecnias variadas, o que martela na cabeça do visitante são propostas de cunho político como o Veículo para homeless (1988), do polonês Krzysztof Wodiczko, um moderno carrinho para sem-teto, e a Casa desmontável (1944), do francês Jean Prouvé, feita para vítimas de catástrofes. Estes sim, projetos utilíssimos e extremamente atuais.

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