Na primeira vez, parecia um assalto à frágil liberdade de imprensa da Rússia. O empresário da mídia Vladimir Gusinski, proprietário da Media-Most – único grupo jornalístico extremamente crítico às políticas do Kremlin –, foi detido no sábado 17 por policiais encapuzados, acusado de desvio de dinheiro público. Isso depois de uma campanha desfechada na mídia oficial impregnada do velho anti-semitismo russo – Gusinski é presidente do Congresso Judaico Russo. Mas, na terça-feira 20, a promotoria de Moscou anunciou que estava entrando com uma ação contra a privatização da Norilsk Nickel, de propriedade do empresário Vladimir Potanin, ex-vice-premiê e banqueiro. Trata-se de outro conhecido oligarca, como são conhecidos os empresários russos que enriqueceram rapidamente durante o corrupto processo de privatização de estatais durante o governo de Boris Yeltsin (1991-1999).

 

Potanin foi um dos protagonistas do programa conhecido como “empréstimos por ações”, realizado entre 1995 e 1996. Através desse programa, as mais ricas empresas estatais da ex-URSS foram privatizadas e entregues aos oligarcas a preço de banana, em troca de apoio político e financeiro ao então presidente Boris Yeltsin. Os oligarcas emprestavam dinheiro ao Estado quebrado e recebiam como garantia ações de grandes empresas públicas. Dessa maneira essas estatais, que valiam cerca de US$ 1 bilhão, saíram por menos de US$ 100 milhões. Foi assim que o banco Oneximbank, de propriedade de Potanin, passou a controlar a Norilsk Nickel, segunda maior produtora de níquel e platina do mundo. O empresário pagou por ela o equivalente a US$ 170 milhões, cerca de 10% do atual valor de mercado da empresa. Assim como aconteceu com outros oligarcas, suspeita-se de que essa operação tenha sido um “prêmio” pelo apoio financeiro de Potanin à reeleição de Boris Yeltsin nas eleições de 1996.

Surpreendidos pela ofensiva do presidente Vladimir Putin, os oligarcas revelaram inverossímeis pendores democráticos, acusando o mandatário de retomar os velhos métodos da nomenklatura soviética (Putin foi agente do KGB, a polícia política soviética, e chefiou a agência que o sucedeu, o Serviço Federal de Segurança). Dezessete deles, banqueiros e empresários do setor de petróleo, assinaram na semana passada uma carta aberta contra a prisão de Gusinski, acusando o Kremlin de perseguição política e métodos antidemocráticos. Alguns opositores do presidente foram até mais longe e cogitaram de formar uma “frente antifascista” contra o governo.

 


A questão agora é saber se Putin, que foi alçado ao Kremlin com a ajuda dos oligarcas pró-Yeltsin, está tentando diminuir o poder de influência desses empresários no governo ou apenas fazendo o jogo de determinadas facções da oligarquia. É bom lembrar que o mais notório desses oligarcas, Bóris Berezovsky, padrinho da indicação de Putin à Presidência, foi um dos únicos que não assinou a carta em defesa de Gusinski. Apesar de alguns atritos recentes de Berezovsky com o presidente, muitos ainda o consideram a eminência parda do Kremlin. O enigma Putin continua a desafiar o Ocidente.