Pelos padrões de Hollywood, a história que se desenrolou no Estado do Novo México é pouco original. Já foi vista em vários filmes de James Bond. Mas pelos padrões do Los Alamos National Laboratories – o maior laboratório nuclear americano – os episódios ocorridos nos últimos meses são, no mínimo, singulares, e podem ter efeitos catastróficos. Acontece que alguém roubou o arquivo X. No começo de maio passado, alguns disquetes de harddrive ultra-secretos simplesmente desapareceram da Divisão X, um dos departamentos mais sensíveis de Los Alamos. Com as dimensões de uma carteira de cigarros, a caixa contém carga das mais voláteis. Trata-se de um manual completo de como desativar bombas atômicas. E o que é pior: com estes disquetes e munido de um simples laptop, um terrorista trafegaria sem problemas pelo sistema PALS, usado como fechadura de segurança das bombas atômicas americanas para evitar a detonação do arsenal. E com as informações ali contidas é possível penetrar e ativar um artefato nuclear russo, daqueles encontráveis no mercado negro de armas.

Mistério – Depois de semanas angustiantes de procura, os disquetes foram encontrados em local dos mais suspeitos: atrás de copiadoras xerox do laboratório. Ninguém acredita que estivessem lá por todo este tempo. Mesmo porque o pente-fino passado por todo Los Alamos incluiu a sala de cópias. “O mais provável é que a pessoa que retirou os disquetes os tenha copiado e simplesmente devolvido ao laboratório para diminuir a pressão”, disse a ISTOÉ Robert Murena, assessor de política energética do senador nova-iorquino Chuck Schumer. E as investigações que continuam vão procurar averiguar quem está por trás deste mistério e para quê desejava informações tão radioativas. A equipe de detetives é apenas mais uma a se juntar ao batalhão de sherlocks que já ronda o local tentando resolver outras charadas. Na verdade, os problemas de segurança daquele laboratório formam uma longa e complicada fieira, que acabou resultando em CPI no Senado americano. E ninguém espera que o assunto morra tão cedo.

Los Alamos parece estar amaldiçoado. Primeiro, descobriu-se que os chineses haviam surrupiado um grande volume de dados secretos sobre miniaturização de ogivas nucleares e outros itens da receita de como preparar bombas atômicas bem feitas. Ninguém sabe ao certo quantas informações foram passadas a Pequim. Na tentativa de se achar um bode expiatório, acusou-se o cientista sino-americano Wen Ho Lee, que por sinal foi informante do FBI por algum tempo e nega qualquer traição. Até agora só se conseguiu provar contra ele a transferência indevida de material contido num computador confidencial do laboratório, para seu próprio PC caseiro. Em seguida, enquanto o fogo das suspeitas ardia firme na secretíssima Divisão X – de onde Ho Lee também é egresso – lá fora, na bela zona florestal que beira Los Alamos, um incêndio de proporções bíblicas queimava toda a região. As labaredas chegaram a destruir algumas instalações do centro de pesquisas nucleares. O incêndio não foi provocado por espiões, mas pela própria guarda florestal. O que se pretendia era uma queimada controlada, para evitar maiores desastres. A incompetência dos rangers causou tragédia maior.

Foi justamente neste período, quando as labaredas andavam pelas vizinhanças, que membros da Divisão X resolveram transferir para local mais seguro as maletas que continham os disquetes de hard drives. Teoricamente o que se pretendia era afastá-las do fogo. Estas maletas fazem parte dos equipamentos da Equipe de Busca em Emergências Nucleares. São eles que partem para a briga em caso de ameaças de explosões de artefatos atômicos em território americano. Uma espécie de esquadrão antibomba elevado à enésima potência. Somente 86 pessoas têm acesso às câmaras de segurança onde os disquetes estavam guardados. Destes, apenas 26 podem entrar sem acompanhantes especiais. A lista de suspeitos no furto, portanto, não é muito grande. Outros indivíduos não conseguem sequer passar pelas primeiras barreiras de segurança que se impõem antes das câmeras.

Imbróglio – Agora o criticado Departamento de Energia dos EUA se vê diante de um imbróglio que pode custar várias cabeças, inclusive a do secretário Bill Richardson. As investigações mostram que no dia 7 de maio os funcionários da Divisão X descobriram que dois disquetes haviam sumido das maletas. Não comunicaram o problema imediatamente e ainda ficaram mais duas semanas impossibilitados de ir ao laboratório por causa do fogo próximo. Somente no dia 31 daquele mês foi feita a comunicação para o diretor John Brown.
Com as pistas frias fica mais difícil para os investigadores apurarem se o furto foi planejado com antecedência ou se se trata de fruto da oportunidade. Afinal, há um mercado bom para este tipo de mercadoria. “Saddam Hussein daria dez palácios para ter estes hard drives. Viabilizaria seu programa nuclear da noite para o dia”, diz Robert Murerna. E ele poderia ter acrescentado que Osama Bin Laden – o terrorista saudita considerado inimigo número um dos Estados Unidos – daria mil camelos. Afinal, não é qualquer programa de computador que ensina a sequestrar e ativar uma ogiva nuclear.