A dieta mais badalada do momento não é assinada por nenhuma nutricionista ou endocrinologista renomados. Em São Paulo e Minas Gerais, muita gente está procurando emagrecer com um misterioso “regime espiritual.” É uma dieta com senha para entrar, regras rigorosas e simpatias secretas. Aquele que desobedecer às normas perde a “proteção espiritual” para emagrecer em curto espaço de tempo. Quem adota a dieta não ensina os rituais nem aos parentes próximos. A divulgação é feita boca a boca e só entra quem for indicado por alguém que já fez a dieta. Também é necessário pagar R$ 120 em dinheiro no final da palestra de introdução ao regime. “Não é pagamento. É uma troca que reverte em doações a idosos necessitados”, justifica Douglas, um dos funcionários do chamado Círculo do Regime.

A tarifa dá direito a uma consulta individual para receber o regime, entregue cinco dias após a palestra. A dieta é um papel com um cardápio mimeografado, com espaços livres para o preenchimento à mão dos horários das refeições. “É o horário biológico de cada um, dito pela parte espiritual”, explica Alberto, senhor que divide com a mulher, conhecida como dona Rosa, a coordenação do Círculo do Regime.

Foto:Hélcio Nagamine
Ciamponi rechaça a ligação do regime ao espiritismo

O grupo foge de publicidade e já mudou três vezes de endereço nos últimos anos. No primeiro contato feito por telefone, em maio, a repórter de ISTOÉ foi advertida. “Não vai ser bom para você. Eles não gostam da imprensa”, afirmou Douglas. Na segunda tentativa, sem se identificar, a repórter agendou consulta para dali a 15 dias. Antes disso, os horários estavam lotados. Na data marcada, juntou-se a outras 27 mulheres ansiosas para perder 20 ou mais quilos.
O Círculo do Regime funciona em um sobrado no Ipiranga, bairro de classe média da zona sul de São Paulo. As mulheres que vão ao local são “gordinhas bem vestidas e têm carros próprios”, como observa uma vizinha. Recebidas por um segurança no portão, as clientes descem uma escada de acesso a um local que serve como sala de espera. Enquanto aguardam, as mulheres comentam histórias de sucesso da dieta. Uma delas revela ter perdido 40 quilos em oito meses. Voltou para um período de manutenção. “Só deve fazer esta dieta quem tem fé”, defende. A palestra reforça o clima de mistério e misticismo. Feita pelo sisudo Alberto, é uma miscelânea de superstições, frases de efeito e ameaças divinas. Alberto diz que “a parte espiritual vê tudo. Sabe de todas as safadezas dos gordinhos e que vocês comem por vício”. Avisa que “quem cometer três erros está fora da dieta” e que “quem não andar todos os dias vai aumentar o tempo de emagrecimento”.

A “dieta espiritual”, na verdade, é similar aos regimes clássicos dos consultórios. “Essa dieta corta gorduras, açúcar, limita massas e carnes. Não há segredo nisso”, diz José Miguel Marcondes, do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Por isso mesmo, ela até ajudaria no emagrecimento, independentemente de qualquer “auxílio espiritual”. Foi o que aconteceu com a dona de casa M. L., 35 anos. Ela entrou no Círculo do Regime, saiu porque engravidou e utilizou o cardápio meses depois para emagrecer 18 quilos em 75 dias. Sozinha e sem vigilância espiritual.

Erros – O problema, porém, é que mesmo sendo óbvia, a “dieta espiritual” contém muitos erros, segundo os especialistas. “É uma cópia malfeita. Há pouca variedade de alimentos e os tais horários personalizados não têm efeito real”, ataca o endocrinologista Linneu Amaral Silveira. Além disso, os valores calóricos variam entre 913 e 1.500 calorias por dia, dependendo da escolha dos alimentos. “É muito irregular. Num dia, a comida pode preencher as necessidades de cálcio e vitamina D, mas nos outros não. Essa dieta também é pobre em fibras solúveis por causa da proibição sem sentido de comer grãos”, completa a nutricionista Celeste Viggiano. Ela censura ainda a exclusão de ovos e sopas. “O que há de errado? Devem fazer parte de uma dieta balanceada”, afirma. Além disso, há o risco do efeito sanfona, o engorda-emagrece-engorda que pode acontecer depois de uma dieta de restrição alimentar. A comerciante Fernanda (nome fictício), 38 anos, por exemplo, perdeu 25 quilos, mas ganhou 32 quando interrompeu o regime. O Círculo do Regime também é rechaçado pelas lideranças espíritas. “Tudo nessa dieta vai contra os nossos princípios espirituais”, indigna-se Durval Ciamponi, presidente da Federação Espírita do Estado de São Paulo. “É um abuso e um desrespeito às entidades espirituais. A máxima da nossa doutrina é dar de graça o que de graça recebemos. Não poderiam cobrar. Essas pessoas estão claramente usando a doutrina espírita para ganhar dinheiro”, protesta.

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Cremes – Nenhuma dessas críticas parece abalar o grupo que receita o regime espiritual. Mesmo depois de quatro funcionários terem admitido à reportagem que trabalham para o Círculo do Regime e que as pessoas vão lá para buscar a dieta, o coordenador Alberto afirmou que “se havesse (sic) mesmo a dieta, não tinha nada que se ver com a imprensa”. De fato, ele parece ter muito o que esconder. O Círculo do Regime indica dietas de emagrecimento e aconselha a suspensão de tratamentos com medicamentos hormonais, anticoncepcionais, antidepressivos e cortisona sob a justificativa de que prejudicam a perda de peso. “Suspender o uso de medicamentos sem ter capacitação profissional para isso pode ser considerado exercício ilegal da medicina”, afirma o advogado Luiz Flávio D’Urso, presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas. Também não emite comprovante ou nota fiscal pela “troca” em dinheiro recebida dos clientes e, consequentemente, não paga imposto sobre os seus rendimentos. E não é pouco dinheiro. Num cálculo aproximado, cada palestra de duas horas para grupos de 25 pessoas rende R$ 3 mil. Se for uma por dia, cinco dias por semana, são R$ 15 mil. Duas por dia renderiam R$ 30 mil semanais. Segundo os vizinhos, o movimento é intenso das 8h da manhã às 22h e dura a semana toda. Essa é uma conta modesta, que não considera, por exemplo, o faturamento obtido com a venda, dentro da casa, de cremes contra celulite, estrias e rugas. O kit de beleza, que teria o “apoio da parte espiritual”, sai por R$ 85. De acordo com o próprio Alberto, mais de 19 mil pessoas já se matricularam no Círculo.

E a hostilidade do Circulo do Regime é premeditada. Dona Rosa, que vive cercada de fotos em que aparece vestida de cigana, se despede das clientes que iniciarão a dieta aconselhando-as a tratar mal e falar de modo áspero com os curiosos. “Seja dura e brava. Isso espanta quem pergunta demais.” Antes de entregar a dieta mimeografada com o regime, dona Rosa balbucia uma reza breve e, com um sorriso meigo, pede: “Traga este papel quando voltar e não mostre a ninguém para não perder a força espiritual.” Talvez a observação da psicóloga Rejiane Sbrissa, especializada no tratamento da obesidade, explique em parte o fenômeno que leva as pessoas a depositar sua fé (e algum dinheiro) nas mãos de um chefe bravo ou deus vingativo pronto para punir. Para ela, o estilo bateu-levou de Alberto e dona Rosa reforça a velha cultura do autoritarismo e do castigo. “A dieta funciona porque as pessoas cumprem as regras. Nada mais. Emagrecem de medo”, explica. “Precisamos parar de temer e assumir a responsabilidade pelos nossos atos.”


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