Na terça-feira 20, às 19h35, o diretor de Política Monetária do Banco Central, Luiz Fernando Figueiredo, desceu os dez andares que separam o salão de reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) da sala de imprensa do BC para anunciar, sozinho e com duas frases, uma boa novidade na economia brasileira. “Os resultados recentes da inflação mudaram significativamente a expectativa do comitê em relação à inflação esperada do ano. Em função disso, decidimos reduzir a taxa de 18,5% para 17,5% ao ano, com viés (tendência) de redução”, disse Figueiredo, surpreendendo até economistas mais otimistas. O anúncio ofuscou uma outra cerimônia, feita com pompa e circunstância no Palácio do Planalto, quatro horas antes. O presidente Fernando Henrique Cardoso, escoltado pelos ministros José Gregori, da Justiça, general Alberto Cardoso, da Segurança Institucional, Pedro Parente, da Casa Civil, e Aloysio Nunes Ferreira, secretário-geral da Presidência,
anunciava o plano Brasil Diz Não à Violência (leia quadro abaixo). Não foi preciso muito tempo para que o anúncio do BC conseguisse um impacto maior que o pacote de Gregori e companhia.
Até o presidente rendeu-se à medida de maior sucesso, a queda na taxa de juros: “Vamos aumentar a produtividade e retomar o crescimento. Hoje (quarta-feira 21) é até um bom dia para dizer isso porque a taxa de juros é a mais baixa desde 1986.” O entusiasmo com a menor taxa desde o Plano Cruzado se alastrou pelo Congresso, da oposição aos governistas. Economistas e políticos de todas as tendências concordam com o que declarou, naquele dia, o presidente da Comissão de Finanças da Câmara, Manoel Castro (PFL-BA): “Diminuir os juros é tão ou mais importante do que colocar a polícia nas ruas. É uma medida econômica, mas com forte consequência social.”

Até o dia anterior, a tese dos juros altos prevaleceu como estratégia no combate à inflação. Mas o dia-a-dia já mostrava que o garrote dos juros mais altos do mundo, além de matar a inflação, deixava anêmica a economia brasileira. “A decisão demorou, mas é uma medida positiva que trará uma economia de R$ 3 a R$ 5 bilhões ao ano aos cofres do governo. Esse dinheiro já permitiria que o salário mínimo fosse de R$ 180, sem nenhum gasto adicional”, afirmou o líder do PT, Aloysio Mercadante (SP). A economia anual de R$ 5 bilhões é o que o governo deixa de pagar aos credores internos para rolar a dívida de mais de R$ 500 bilhões. “Sem crescimento econômico, com mais desemprego, a violência aumenta mesmo. Já os juros mais baixos reativam a economia e trazem de volta os empregos”, comentou o senador e empresário Pedro Piva (PSDB-SP). Um dia depois da queda nos juros, Piva soube que a indústria têxtil de São Paulo reabrirá 22 mil vagas por causa da decisão do BC. “É o fato mais importante do semestre”, comemorou.

Céu azul – A queda na taxa de juros só foi possível graças a uma combinação de fatores internos e externos. Aqui dentro a inflação segue em baixa. Lá fora, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), decidiu na quarta-feira produzir mais óleo e não aumentar os preços. Em maio, o medo de uma disparada nos preços do petróleo foi desculpa do Copom para manter os juros em 18,5% ao ano. A equipe econômica ficou ainda mais aliviada com a perspectiva de que o Fed (Banco Central dos EUA) mantenha os juros americanos estáveis ou com pequena redução. “Juro baixo é igual a mais emprego, que é igual a menos violência. Essa é a verdadeira matemática da segurança”, diz o deputado Carlos Eduardo Moreira Ferreira (PFL-SP), presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e ex-presidente da Fiesp. O deputado Luiz Antônio de Medeiros (PFL-SP), ex-presidente da Força Sindical, também soltou fogos. “A queda nos juros foi muito mais importante para a segurança do que esse plano chocho. A maneira mais curta de diminuir a criminalidade é gerar emprego e renda para o trabalhador”, ensina Medeiros. O governador de São Paulo, Mário Covas (PSDB), faz coro: “A queda de juros é o melhor pacote contra a violência.”

Embora o presidente do BC, Armínio Fraga, negue, alguns indícios permitem supor que a área econômica agiu sob pressão. Na semana anterior à divulgação da nova taxa, o ministro da Saúde, José Serra, ressuscitou sua velha briga com o ministro da Fazenda, Pedro Malan. “A diminuição em um ponto percentual resultaria numa economia anual de R$ 5 bilhões aos cofres públicos, quando todo o orçamento da saúde é de cerca R$ 20 bilhões ao ano”, calcula Serra, que cobrou a queda dos juros como principal reação à crise social. Ele comprou a briga com respaldo de cima. Havia conversado com o próprio FHC, que andava irritado com o imobilismo do BC. O presidente já tinha liberado seus assessores para baterem bumbo pela queda das taxas. A reação de Covas, diante das primeiras notícias sobre o pacote antiviolência, parece ter contribuído para o recuo do Planalto. A idéia inicial, em Brasília, era condicionar a liberação dos recursos aos Estados, à redução da criminalidade em 10%. Covas disse que isso seria possível se o governo federal aumentasse o emprego no País também em 10%. A condicionalidade foi retirada do pacote. “O Armínio mostrou que tem sensibilidade política”, concluiu o senador Paulo Hartung (PPS-ES).
Além de baixar os juros, o Copom também indicou a tendência de baixa para decisões futuras, dando a Armínio poder de reduzir ainda mais os juros antes mesmo da nova reunião do comitê, em julho. Abril apresentou o melhor resultado primário das contas públicas. Em 12 meses, atingiu R$ 37,6 bilhões, ou um superávit de 3,52% do Produto Interno Bruto (PIB). A meta de superávit primário acertada com o FMI, que é de 3,5% do produto, já foi alcançada. O nível das reservas brasileiras está em US$ 28 bilhões. Esse cenário é promissor para novas quedas. Falta a economia confirmar o que a sociedade espera: voltar a crescer, criar empregos, reduzir a pobreza e, em consequência, o da criminalidade. Mas não basta o governo economizar nos juros. Parte do saldo nas contas públicas precisa ser empregado em saúde, educação e programas sociais.
O caminho entre juros menores e um país menos violento tem várias etapas. “A queda dos juros, desde que calcada nos fundamentos econômicos e na percepção de diminuição do nível de risco, logicamente tem o efeito de estimular a produção e aumentar o nível de emprego e a renda. O que, no final da linha, propicia a diminuição da violência”, explica o presidente do BankBoston no Brasil, Geraldo Carbone.

Sem dinheiro e sem impacto

O plano Brasil Diz Não à Violência foi apresentado sem as “medidas de impacto” inicialmente exigidas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e depois descartadas por ele como “demagógicas”. As Forças Armadas foram mantidas nas fronteiras e portos, mas longe de operações de rua. O pacote antiviolência, um conjunto de 124 medidas, reúne promessas não cumpridas de campanhas eleitorais, programas já incluídos no Orçamento e que tinham sido suspensos pela equipe econômica e projetos que dependem de aprovação no Congresso. Inclui necessidades antigas, como a criação de duas mil novas vagas na Polícia Federal, e novas, como a melhoria de sete milhões de pontos de luz em diversas cidades.

Fernando Henrique promete um investimento total de cerca de R$ 3 bilhões até 2002. Este ano estão previstos R$ 700 milhões, mas R$ 150 milhões vão para a melhoria dos pontos de luz. A coordenação do plano vai ficar por conta do ministro da Justiça, José Gregori, que vai acumular o comando da repressão ao narcotráfico, até agora sob a responsabilidade da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad). Com essas medidas Gregori assume ares de ministro da Segurança Pública e o todo-poderoso general Alberto Cardoso recebe um duro golpe.

Curumim pede socorro
Foto: Renato Velasco
O projeto social atende a 150 moradores da Rocinha: contra o tráfico

As páginas de jornais velhos vão aos poucos se transformando. Primeiro são enroladas, depois achatadas. Em seguida, passam a ser trançadas com paciência e arte. Ganham forma de cestas, vasos, bandejas e chapéus – objetos que, após a pintura, ninguém diz terem nascido de jornais. É esse o ofício que aprendem as 150 crianças e adultos do projeto Curumim, uma iniciativa social voltada para os moradores da Rocinha, a maior favela da América do Sul. O projeto ganhou fama nacional depois que Geisa Firmo Gonçalves, uma de suas professoras, foi assassinada durante o sequestro do ônibus 174, no Rio, há duas semanas. Além de artesanato, as crianças da favela recebem aulas de reforço escolar e praticam atividades esportivas. “As pessoas falam em acabar com a marginalidade. A única forma é trabalhar diariamente para isso, como nós fazemos”, ensina Elisa Pirozi, 61 anos, moradora do local e uma das coordenadoras do Curumim.

O projeto funciona há três anos. Nas aulas de artesanato, não há limite de idade. “Queremos que pais e filhos aprendam lado a lado para depois trabalharem juntos”, afirma Elisa. “O objetivo é gerar renda para essas famílias.” Algumas artesãs já vendem a grandes shopping-centers do Rio. Um deles é o sofisticado Fashion Mall, no bairro de São Conrado, próximo à Rocinha. Uma loja de orquídeas usa os cestos de jornal como vasos. Mas os compradores do ar centro de comercialização aqui”, reivindica Elisa. Ela também pede a participação de artesãos e outros artistas voluntários para dar aulas à comunidade. “Não adianta ficar de longe, torcendo para que dê tudo certo. Precisamos de gente para trabalhar conosco.” Com a morte de Geisa, as colegas do projeto Curumim lamentam ter perdido não apenas uma amiga, mas também uma excelente professora, com sensibilidade e didática para ensinar o ofício da cestaria aos moradores. Ela aprendeu artesanato ali e se aperfeiçoou até se tornar professora. “Esperamos encontrar uma nova Geisa”, diz Elisa.

O projeto é tocado em parceria do Centro Comunitário da Rocinha com a Fundação para a Infância e Adolescência (FIA) do governo do Estado, que gasta R$ 39 por criança, por mês. O dinheiro é utilizado na alimentação, no pagamento de professores e na manutenção das instalações. A verba, porém, é muito pequena em relação às necessidades da comunidade. Alguns dos participantes do projeto são jovens que já foram meninos de rua e hoje ajudam como podem a manter o Curumim. Muitos moradores também colaboram. “Alguns são mais ativos e outros menos. Eles ajudam à sua maneira”, avalia Elisa, que parece incansável em sua função. Ela sobe e desce as escadas várias vezes por dia e, entusiasmada, parece nunca se cansar. “Esse trabalho precisa seguir em frente. Toda a ajuda será bem-vinda”, afirma.

Francisco Alves Filho