Polícia Federal descobriu provas de estreitas ligações entre o banqueiro Salvatore Cacciola, dono do banco Marka, e a atual diretora da Fiscalização do Banco Central, Tereza Grossi. Depois de quatro meses fazendo a escuta telefônica do empresário, a PF detectou conversas de conteúdo explosivo e comprometedor dele com vários amigos. A escuta, autorizada pela Justiça, revela a felicidade do banqueiro com a promoção de Tereza da chefia interina do departamento de Fiscalização, onde trabalhava quando a direção do BC salvou Cacciola da falência, para o cargo de diretora da mesma área. É o que revelam trechos de uma das cópias de gravações obtidas por ISTOÉ. Numa das conversas do banqueiro com um amigo, quando ele falava das mudanças no BC, veio a revelação:
Cacciola – Estou muito feliz, ela ficou na diretoria. É muito boa, muito competente.

Amigo – A da ajuda, né?….
Cacciola – ….Ééé…a da ajuda….
O diálogo irônico entre o banqueiro feliz e o amigo espirituoso aconteceu logo depois da indicação de Tereza Grossi, pelo governo, em março deste ano para ocupar um dos mais importantes cargos na cúpula do BC, a diretoria de Fiscalização. Este setor é o responsável por investigar as instituições financeiras e seus movimentos estranhos. A Polícia conseguiu grampear Cacciola graças a uma casualidade. Como a Justiça também tinha autorizado a escuta telefônica de amigos, parentes e sócios do banqueiro, Cacciola trocou de telefone e estava usando o aparelho e a linha de um amigo.

Telefone novo – A indiscrição de uma das diretoras do Marka, Cínthia Costa e Souza, que também estava com seu telefone monitorado, revelou o número do telefone usado pelo banqueiro e deu a pista para que a PF achasse o empresário. Neste novo telefone, Cacciola sentiu-se à vontade para relembrar e se vangloriar dos seus feitos e elogiar Tereza, a amiga muito competente. De fato, Cacciola só poderia considerar Tereza muito competente. Ela participou diretamente da decisão de salvar seu banco e seus fundos coligados logo depois da desvalorização do real frente ao dólar no dia 13 de janeiro do ano passado. O socorro ao banco de Cacciola provocou um prejuízo de R$ 1 bilhão. A desvalorização foi decidida pelo BC quando Francisco Lopes assumiu a presidência da instituição, em janeiro do ano passado, e também salvou da falência outro banqueiro amigo, Luís Antônio Gonçalves, controlador do banco FonteCindam. O prejuízo total dos cofres públicos com as duas operações foi de R$ 1,5 bilhões de reais. Com tanta desenvoltura, o banqueiro terminou revelando nos telefonemas outros crimes que envolvem um desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, mostram fortes indícios de que havia vazamento de informações importantes do Banco Central e do Comitê de Política Monetária para o mercado financeiro e até o conluio de um delegado da própria Polícia Federal com o empresário.

Foto: André Dusek
Tereza Grossi, segundo as investigações do Ministério Público, participou diretamente da ajuda aos bancos Marka e FonteCindam num total de R$ 1,5 bilhão

O Ministério Público Federal entrou com ação cautelar de improbidade administrativa na sétima Vara da Justiça em Brasília pedindo o imediato afastamento de Tereza Grossi da diretoria do BC e o seu julgamento pelos crimes de improbidade administrativa e prevaricação. Se for condenada, a diretora do Banco Central pode pegar uma pena de até 16 anos de cadeia. Outras duas ações já estão prontas no Ministério Público, responsabilizando a diretora pelo prejuízo de R$ 1,5 bilhão provocado com a operação salvamento dos bancos Marka e FonteCindam. Cacciola amarga cadeia há duas semanas pelo crime contra o sistema financeiro nacional. O sócio de Cacciola, Luiz Augusto Bragança, ficou uma semana preso e foi solto depois de conseguir um habeas corpus na quarta-feira 21. Cacciola não teve a mesma sorte. Continua em cana no Rio porque teve negado o pedido de liberdade. O MP também pediu a condenação do então presidente do BC, Francisco Lopes, e dos diretores Cláudio Mauch, de Fiscalização, Demóstenes Madureira, de Assuntos Internacionais, responsável pela área de câmbio, e dos funcionários Alexandre Pundeck, Maria do Socorro Carvalho, além do banco Marka e da direção da Bolsa de Mercadorias e Futuro.

A Polícia Federal e os procuradores se convenceram da culpa de Tereza Grossi depois que constataram a inexistência de crise no sistema financeiro nacional com a falência dos bancos Marka e FonteCindam, o chamado risco sistêmico. Esta alegação era falsa. Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado sobre o sistema financeiro, o superintendente da BM&F, Edemir Pinto, revelou que a principal desculpa do BC para salvar o Marka e o FonteCindam, uma carta da Bolsa ao Banco Central alertando para o tal risco sistêmico, tinha sido sugestão de Tereza. A carta, datada do dia 14 de janeiro, foi, de fato, escrita no dia seguinte à operação por determinação de Tereza à BM&F, como uma espécie de salvaguarda da direção do BC para socorrer os banqueiros Cacciola e Luiz Antônio Gonçalves.

Foto: André Dusek
Cacciola, ainda preso no Rio: feliz com a promoção da amiga Tereza

Os fiscais do BC, Antônio Carlos Magalhães da Silva e José Valentim Machado Vicente, escalados para fiscalizar a contabilidade do banco Marka no dia seguinte à desvalorização cambial, informaram à Polícia Federal que mantiveram contatos telefônicos com Vânio Aguiar e Tereza Grossi, que estava em Brasília, e ouviram da então chefe da fiscalização um pedido que acharam estranho. Por várias vezes ela quis saber qual a situação patrimonial do banco Marka e qual a taxa de câmbio necessária para “zerar o patrimônio líquido do banco Marka”. Tereza avisou ao fiscal que estava discutindo o assunto com o restante da diretoria do BC. Naquela oportunidade, Tereza Grossi nem sequer falou de risco sistêmico. Ao chegar ao banco Marka, no Rio de Janeiro, a equipe de fiscais constatou que a solução técnica recomendável para a situação dos dois bancos quebrados – estavam com patrimônio líquido negativo – era a liquidação extrajudicial. Mas não foi isto que ocorreu. O BC salvou os dois banqueiros. Outro fiscal, José Ribamar dos Santos Barros, revelou na Polícia que estranhou os saques de dinheiro em valores elevados. Barros considerou os saques ilegais e imorais.

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Preocupação – As investigações da PF e dos procuradores em torno de Tereza Grossi estão preocupando a cúpula da equipe econômica. A principal justificativa do BC para socorrer o Marka e o FonteCindam – o tal risco sistêmico – revelou-se inverídica pelas apurações e depoimentos de funcionários do Banco Central. Tereza é uma peça-chave para o esclarecimento do que ocorreu quando o governo brasileiro decidiu desvalorizar o real. A Polícia Federal e o Ministério Público estão convencidos de que a decisão de salvar os bancos Marka e FonteCindam não é somente de responsabilidade da diretora de Fiscalização. Como ISTOÉ revelou na edição 1545, de 12 de março do ano passado, o próprio ministro da Fazenda, Pedro Malan, esteve na sede do Banco Central no dia em que se decidiu o socorro aos dois bancos falidos, e poderia ter evitado o prejuízo do Tesouro Nacional com a operação salvamento. Malan sabia e o seu envolvimento continua sendo investigado pelos procuradores. Segundo depoimento de um funcionário do BC na Polícia Federal, o ministro não só tomou conhecimento antecipado da ajuda aos dois banqueiros amigos, como participou da “decisão”. Este é o próximo passo da investigação da PF e do MP.


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