Há 40 anos, o mineiro de Poços de Caldas Ricardo Cassolari, 54 anos, se dedica à arte de cuidar de cabelos. Em verdade, pode-se dizer que o amor pelos fios está no sangue. Os avós paternos teciam perucas na Itália. E, na família, nada menos do que 30 pessoas partilham o gosto pelo métier. Por sua tesoura já passaram madeixas famosas como as da atriz Malu Mader. Desde o ano passado, Cassolari empresta seu talento ao desenvolvimento de produtos da Natura. Contratado como consultor da empresa, ele aplica as novidades em seu salão L’Autre Femme, em São Paulo. Um dos artigos criados com sua ajuda compõe a linha de tratamento Plant, que atende a todos os tipos de cabelos, inclusive os crespos. “Ela traz uma fórmula feita sob medida para valorizar a natureza da brasileira”, afirma. Cassolari falou a ISTOÉ sobre a relação de amor e ódio do brasileiro com o cabelo e, é claro, da febre da escova progressiva (método de alisamento que utiliza formol).

ISTOÉ – O que o sr. acha dessa febre do alisamento definitivo, a famosa
chapinha japonesa, e agora a escova progressiva?
Ricardo Cassolari –
Quando surgiu essa história do alisamento japonês, fiquei temeroso porque não sabia o resultado. Mas esse produto hoje está sendo produzido por grandes empresas de cosméticos. Portanto, já há segurança no seu uso. Agora apareceu essa chapinha progressiva, que usa formol e queratina para alisar o cabelo. Isso é uma loucura. Não pela queratina, que ajuda a proteger e a recuperar o cabelo estressado, mas pelo formol. Tem gente que faz, mas eu me recuso a fazer. Algumas clientes saíram daqui para fazer em outro lugar.

ISTOÉ – Alguma voltou porque o tratamento não deu certo?
Cassolari –
Sim. Teve gente que ficou com o cabelo estragado. Mas isso pode trazer consequências ainda maiores tanto para a cliente quanto para o profissional que manuseia o produto na hora da aplicação. O cheiro é muito forte e não há proteção.

ISTOÉ – Por que essa obsessão por cabelos lisos?
Cassolari –
Cada década tem uma transformação. Nos anos 80 tivemos a febre do permanente. Pode ser que amanhã essa onda mude. Inclusive acho que o cabelo crespo está sendo melhor aceito. A Natura fez uma pesquisa importante, que foi a fundo nisso. Estamos trabalhando mais com a idéia de aceitação do fio crespo. Muita gente tem cabelo bonito, mas não entende dessa forma. Ou não tem tempo de cuidar direito dele e nem sabe que ele pode ficar melhor.

ISTOÉ – O sr. faria alguma mudança no cabelo de dona Marisa Letícia,
a primeira-dama?
Cassolari –
Só posso avaliar quando a pessoa se senta na minha cadeira. Tenho de tocar, sentir. Mas no caso da dona Marisa, acho que o Wanderley (Wanderley Nunes, cabeleireiro da primeira-dama) a deixou diferente, elegante.

ISTOÉ – Como é sua relação com os clientes?
Cassolari –
Nesta profissão, é fundamental desenvolver a percepção e a intuição. Quando você toca alguém, é como se entrasse na intimidade dessa pessoa. Isso faz com que você sinta não apenas o cliente que está ali para fazer um corte, um penteado, mas um ser humano com defeitos, virtudes e necessidades. Descobri também algo muito interessante: o cabelo fala.

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ISTOÉ – Como é isso?
Cassolari –
Às vezes pelo cheiro ou pela fragilidade dos fios dá para fazer uma leitura de como a pessoa está. O cabelo reage de acordo com as nossas emoções. Se estamos estressados, isso se reflete nos fios. Por isso, é importante fazer essa leitura para ajudar não só a melhorar o visual como também a auto-estima. Não é só cortar cabelo. É construir uma relação de confiança e amizade com o cliente.

ISTOÉ – Existe uma relação de amor e ódio com o cabelo?
Cassolari –
Existe, mas isso é mais da mulher. Acontece muito de ela brigar com o namorado ou o marido e querer transformar tudo. Ela acorda se odiando e odiando o cabelo. Consigo detectar essa fúria e, às vezes, dá para segurar. Outras vezes, não. Daí, brinco que vou passar o desejo dela para o papel e registrar em cartório.

ISTOÉ – Há atualmente no mercado uma variedade de produtos segmentados. Como foi essa evolução?
Cassolari –
Quando comecei, era difícil encontrar um produto de boa qualidade por aqui. Lembro que usava leite morno para tirar cloro dos cabelos. Se quiséssemos algo melhor, tínhamos que buscar nos Estados Unidos ou na Europa. A mudança aconteceu no governo Collor, que abriu as portas para as importações. Depois a indústria brasileira passou a investir para não perder mercado. Hoje, o que é
lançado lá fora em pouco tempo está aqui. Mas vivo num mundo que é um quadrilátero e não representa a realidade do País. A maioria da população
é muito carente. Acho importante que mesmo sem poder frequentar um bom
salão essas pessoas possam também desfrutar das inovações da indústria.
Tenho um projeto com o Pedro Martinelli (fotógrafo) de fazer um trabalho com os moradores da Amazônia. Quero levar alguns produtos e tesouras para ensiná-los a cuidar melhor dos cabelos.


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