O uso de drogas entre adolescentes há muito deixou de ser uma novidade, especialmente em uma cidade de costumes liberais como o Rio de Janeiro. Mas a expulsão de quatro alunos da Escola-Parque, na Gávea (zona sul), por terem fumado maconha durante uma excursão a Ouro Preto, em Minas Gerais, pôs o assunto na ordem do dia. Das mesas de bares ao Ministério Público, passando por protestos e discussões nos meios educacionais, o episódio parece ter acordado a cidade para o avanço das drogas no ambiente escolar. No centro do debate, a dúvida: a decisão da Escola-Parque, opção primeira de artistas e pais que optam pelo ensino construtivista, nos moldes de Piaget, foi rigorosa ou necessária para servir de exemplo?

A expulsão levou cerca de 100 alunos da escola a participar de um protesto para tentar reverter a punição. Na manifestação, que contou com duas netas do presidente Fernando Henrique, alunos usaram camisetas com frases contra a decisão da escola. “Não admita. Minta. Você vai se dar bem. Aprendi isso na escola”, dizia uma das camisetas. Segundo os participantes da excursão, vários outros alunos fumaram, mas só os que confessaram receberam a pena máxima. “Se escola boa é a que expulsa, hospital bom é o que mata”, radicalizava outra camiseta.

Filho de uma família de classe média alta, H., 15 anos, é considerado um caçula exemplar. Nunca foi reprovado, estuda inglês, joga futebol e faz trabalho voluntário nas comunidades próximas à Escola-Parque. Seus pais nunca foram chamados à coordenação para ouvir reclamações, até que receberam a notícia de sua expulsão. Desde a quarta-feira 2, H., encaminhado a outra escola do bairro, se recusa a voltar aos estudos. Não se conforma com a punição e, segundo seus pais, somatizou o problema. “Meu filho errou, mas a pena está sendo cruel demais. Tem febre de 40 graus. Tudo isso é desumano”, protesta a mãe, Sílvia. “Estou decepcionada com a Escola-Parque. Meu filho assumiu que tinha fumado maconha porque sempre acreditou na abertura do colégio para o diálogo”, diz. As famílias dos quatro alunos expulsos tencionam processar a escola. Na quinta-feira, divulgaram uma carta com o título “Que escola queremos para os nossos filhos?”, acusando os dirigentes da instituição de lavar as mãos quando deveriam enfrentar o problema. “Quando nossos filhos mais precisavam da escola, foram abandonados (…) Não foi nessa escola intolerante que matriculamos nossos filhos”, diz o documento.

Desde que o colégio abriu vagas para o segundo grau, há quatro anos, já somam seis os casos de afastamento por uso de drogas. “Nossas regras são claras. É proibido usar droga, beber álcool e fazer sexo na escola e nas excursões. Eles infringiram a lei e sabiam que o caso era de cartão vermelho”, reforça a diretora, Patrícia Lins e Silva. “O cumprimento da lei sempre causou mal-estar. Ou as pessoas reclamam da ausência dela ou de sua rigidez. Lei é lei e deve ser cumprida.”

O episódio deixou dirigentes e educadores em uma situação difícil e expôs o despreparo das instituições educacionais quando o assunto é o uso de drogas. Na hora de decidir o futuro do aluno infrator, valores subjetivos costumam falar mais alto. Grosso modo, um excelente aluno dificilmente será punido, enquanto um arruaceiro estará com os dias contados. Flagrada com um baseado na viagem de formatura da oitava série, Alice (nome fictício), 14 anos, de São Paulo, não escapou da bronca dos professores que acompanhavam a turma. Seus pais foram chamados para conversar, mas não houve necessidade de expulsão. “Liguei para o meu pai no mesmo dia porque não queria que ele soubesse por outra pessoa. Ele levou numa boa. Se fosse expulsa, talvez ele se zangasse com a escola”, diz.

Mas manter o aluno na escola também é um desafio. Roberto Prado, um dos diretores da Escola Logos, em São Paulo, é curto e grosso ao resumir a questão. “Às vezes, para poupar 200 alunos, temos de colocar um para fora”, diz. Famoso por sua proposta liberal de ensino, o Logos avalia a postura de cada aluno. Sabe a hora de dar apenas uma advertência e a hora de expulsar. O universitário César Augusto Oishi, hoje com 21 anos, foi convidado a se retirar da escola quando cursava o terceiro ano do ensino médio, em 1996. César foi flagrado regando um pé de maconha no jardim do colégio. Ele se exime da responsabilidade pelo plantio, mas poupou os verdadeiros “culpados”. “Eu já era carta marcada. Zoava muito. A direção sabia que eu fumava e não me queria mais ali”, supõe. “Em três anos, vi 13 amigos meus serem convidados a se retirar”, conta.

Uma pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) em escolas da rede pública de dez capitais brasileiras mostrou que o consumo de maconha entre adolescentes dobrou entre 1987 e 1997. Hoje, cerca de 25% do total de alunos do ensino médio já experimentou algum tipo de droga. Mas o número de usuários frequentes é bem menor, não excedendo 2%. “Chega a ser ridículo imaginar que o adolescente passará pela escola sem provar um baseado”, acredita a psicóloga Magdalena Ramos, da PUC de São Paulo. “Mas essa fase é passageira. Se houver um ambiente saudável na família e entre os amigos, o jovem vai experimentar a droga, brincar um pouco com ela e abandoná-la”, explica. Ser expulso da escola só piora a situação. “O adolescente não pode ser marginalizado no momento em que mais precisa de orientação. Ele ficará desnorteado se for proibido de voltar à escola e rever seus amigos no dia seguinte”, completa Magdalena.

Para a filósofa e educadora carioca Tânia Zagury, as expulsões na Escola-Parque devem provocar debates sobre o tema. Aos pais, Tânia sugere a participação sistemática nas discussões da escola e diálogos os mais abertos e esclarecedores possíveis com os filhos. “Antes se pensava que aos 12 anos era muito cedo para tocar nesse assunto, mas tudo mudou. O pai deve convencer o filho de que não compensa fumar maconha porque os amigos fumam e que ele não vai perder as amizades por causa disso”, aconselha. Mas não pode deixar de impor limites. “Observo que os pais querem ser amigos e se esquecem das cobranças”, analisa Annye da Cruz, psicóloga e coordenadora da escola estadual Brasílio Machado, em São Paulo. “Tenho maior proximidade com os alunos do que muitos pais. Quando algum deles é surpreendido com drogas pela primeira vez, dou uma advertência. Na segunda, chamo os pais. Jamais expulso. Esses jovens precisam ser ouvidos.”

Não é de hoje que o contato com drogas costuma ocorrer na adolescência. O neurologista carioca Charles André, da Clínica Jorge Jaber, acredita que o primeiro gole e o primeiro trago têm acontecido cada vez mais cedo. Numa pesquisa realizada durante o Rock in Rio com 1.900 jovens, constatou-se que 63% deles tinham experimentado algum tipo de droga. A mais frequente é o álcool (91%) seguida do cigarro (66%), maconha (51%), cocaína (26%) e anabolizantes (14%). “Não dá mais para jogar o problema para debaixo do tapete. Temos que enfrentá-lo, sem preconceito”, concluiu Charles André.