Nos Estados Unidos, dois Georges correm contra o tempo para lançar suas versões de Guerra nas Estrelas. O primeiro é o cineasta George Lucas, criador da frase para intitular sua saga cinematográfica começada em 1977 e que promete para o ano 2002 um novo episódio ainda chamado simplesmente de “Part Two”. O segundo George é o presidente americano – W. Bush –, que deseja estabelecer um fantástico sistema de defesa de mísseis nucleares, previsto para o ano 2004. Segundo os críticos, as duas obras são rematadas ficções científicas. No que toca a Lucas, tudo bem: ele aceita o rótulo. Já W. Bush insiste em transformar a fantasia em realidade. Na terça-feira 1º, ele foi à National Defense University, uma prestigiada instituição de ensino que cuida dos assuntos de defesa nacional americana, e em meros 16 minutos discursou sobre sua estratégia nessa área. Nesse exíguo espaço de tempo, conseguiu colocar em estado de alerta seus aliados europeus, a Rússia, a China, bem como a oposição democrata no Congresso, que declarou de pronto ferrenha oposição ao plano. Em linhas gerais, o presidente Bush propôs um novo molde nas relações bilaterais com os russos, sem definir quais serão os contornos desse “molde”. Ofereceu também reduzir unilateralmente as 7,5 mil ogivas do arsenal nuclear estratégico dos EUA para apenas duas mil. E anunciou que vai tentar construir o polêmico escudo antimísseis, baseado numa complexa rede de radares, canhões a laser e projéteis caça-mísseis, com posições definidas em terra, mar, ar e no cosmos. Desse modo, praticamente sepultou unilateralmente o Tratado de Mísseis Antibalísticos de 1972, o ABM, firmado por Richard Nixon e Leonid Brejnev, que estabelece que americanos e russos podem ter apenas um sistema de defesa antimísseis. Ou seja: um enredo que poderia ser chamado de “O império contra-ataca”.

Quando George Lucas lançou a sua versão de O império contra-ataca, em 1980, quem ocupava a Casa Branca era o durão Ronald Reagan. A Guerra Fria entrava em estágio decisivo e o governo americano vislumbrava um modo de tornar seu território inacessível aos mísseis soviéticos. Assim ressurgia o sonho de um escudo protetor que detectaria o lançamento de petardos russos e ativaria um sistema de destruição dos mísseis ainda na estratosfera. O esquema contaria até mesmo com bases espaciais equipadas de radares e canhões a laser. A maioria dos cientistas se mostrou cética quanto à viabilidade desse sistema e apontou furos nos planos que remetiam o tal escudo ao mundo da fantasia. Apelidou-se o projeto de “Guerra nas Estrelas”. Mas para Brejnev e a nomenklatura soviética – que viviam num mundo além da imaginação – o delírio de Reagan pareceu real e provocou novos gastos bélicos.

Mas, se o esbanjamento com armas levou os comunistas à falência, pode também esvaziar a carteira dos americanos. George W. Bush deverá exigir para sua superprodução muito mais que os US$ 60 bilhões calculados pelo comitê orçamentário do Congresso. Numa primeira fase, seria implantada uma rede protetora que, teoricamente, poderia destruir mísseis inimigos logo após os lançamentos. O Exército americano seria responsável pelo desenvolvimento de uma poderosa base de radares e, pelo menos, cinco interceptadores de mísseis no Alasca – região considerada uma das mais desoladas do planeta. A Marinha ficaria com a tarefa de construir um conjunto de 50 interceptadores de mísseis do tipo SM-3, a bordo de dois cruzadores equipados com o sistema Aegis, o mais sofisticado equipamento antimísseis. Além disso, um navio de carga contendo outro poderoso conglomerado de radares ficaria rodando os mares do planeta, como a nau de Ulisses da Odisséia. E finalmente a Força Aérea se incumbiria de um programa a laser montado num Boeing 747.

Fantasia sombria – Mas será que o esquema dá certo? Os especialistas sem vínculos com o Pentágono dizem que não. Com a palavra o cientista Benjamin Sorkin, expert do Instituto de Controle de Armas do Novo México: “A idéia toda é uma fantasia sombria. O sistema, já está provado na prática, não dá certo. O Pentágono fez testes com interceptadores terra-ar e falhou em todas as tentativas. Ponto por ponto desse plano Bush é contestado por especialistas”, diz Sorkin. Se este é o caso e esta Guerra nas Estrelas não passa de um pastelão, por que russos, chineses e o resto do mundo devem se preocupar? “Por vários motivos”, diz Sorkin, “Somente o anúncio da implementação desse sistema já pressupõe um ato de violação do ABM, o mais importante dos acordos nucleares, que vem mantendo o equilíbrio entre as potências. Além disso, muda-se a estratégia nuclear do mundo. Ou seja: os russos não atacam os EUA porque seriam destruídos num contra-ataque e vice-versa. Já a China acredita que o mesmo escudo pode ser usado para proteger Formosa. Tudo isso à custa de muito dinheiro dos contribuintes americanos. E para quê?”, indaga Sorkin.

As justificativas também têm tantos furos quanto o megaprojeto. O presidente Bush menciona as ameaças impostas por “Estados-párias” como Iraque, Irã e Coréia do Norte. Mas os especialistas dizem ainda que os programas de mísseis destes países têm sido superestimados pelo Pentágono. E os analistas apontam as múltiplas organizações terroristas como as principais ameaças de ataques. “Os maiores pesadelos são as chamadas bombas atômicas de valise, artefatos nucleares ou biológicos contrabandeados aos EUA em simples malas de mão. Contra isso, até mesmo um sistema antimísseis funcionando perfeitamente se torna absolutamente inútil”, diz o diplomata Richard Butler, ex-chefe da comissão de desarmamento do Iraque.