Com a audição mais apurada do que a do morcego, o cérebro tão grande quanto sua memória e habilidade de organização social, os golfinhos são a prova de que ainda há muito mistério a se desvendar no reino animal. Uma experiência que será publicada esta semana pela Academia de Ciências dos EUA (www.pnas.org) mostra que esses mamíferos aquáticos, que vivem até 40 anos, são mais inteligentes do que se imaginava. Colocados numa piscina com paredes de espelhos no aquário de Nova York, os machos Presley, 13 anos, e Tab, 17, passaram no teste de consciência: reconheceram-se na superfície espelhada do tanque. Em vez de reagir com indiferença ou agressividade contra a própria imagem, como fazem alguns cães, gatos e peixes, os dois golfinhos examinaram detidamente as marcas de tinta feitas por cientistas em seu corpo. Quando os rabiscos eram falsos, sem uso de tinta, eles não se deixavam enganar: miravam-se no espelho e só voltavam a nadar depois de certificar-se de que não havia nenhum desenho em seu couro.

A experiência pode parecer banal, mas apenas seres humanos a partir de um ano e meio ou dois anos de idade, chimpanzés, gorilas e orangotangos conseguem reconhecer-se no espelho. Esse é um sinal supremo de consciência animal, algo impensável desde que o filósofo francês René Descartes postulou sua teoria que estabelece um elo entre consciência e pensamento. Longe de colocar a teoria cartesiana em xeque, os cientistas agora tratam de reformular suas teses a respeito da capacidade de raciocínio dos bichos. Não há evidências de que os golfinhos Presley e Tab pensem. O que se sabe é que esses cetáceos da espécie Tursiops truncatus, ou golfinho nariz de garrafa, são mais espertos do que aparentam.

“A capacidade de se reconhecer no espelho é uma habilidade rara que só tinha surgido em humanos e primatas”, completa uma das autoras do estudo, a bióloga Lori Marino, da Universidade de Emory, em Atlanta, que trabalhou em parceria com a americana Diana Reiss, da Universidade de Columbia, em Nova York. Há várias formas de se analisar a inteligência animal. A capacidade de aprendizagem e a percepção do mundo exterior são alguns itens importantes. “Imagina-se que os golfinhos sejam inteligentes porque formam sociedades organizadas, com estrutura social complexa”, diz Mario Rollo Junior, doutorando do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), que estuda golfinhos há dez de seus 32 anos. “Eles não são solitários, vivem em grupos, possuem hierarquia e divisão de classes por sexo e faixa etária”, diz o especialista, que defendeu sua tese de mestrado e agora termina o doutorado sobre esses animais.

Segundo Rollo Junior, os golfinhos confiam no som para discriminar tamanho, textura, forma e distância dos objetos com que se deparam no fundo do mar. A bolsa de gordura que fica em sua testa serve para sintonizar os sons emitidos. “Quando o som choca-se com um peixe ou uma parede rochosa, as ondas sonoras retornam ao animal, onde são captadas pela mandíbula oca e oleosa, que é conectada ao sistema auditivo”, explica o pesquisador da USP.

Apesar das descobertas, o estudo dos golfinhos é cercado de polêmica. Nas últimas décadas já se aprendeu muito sobre esses mamíferos que surgiram há pelo menos 50 milhões de anos. Mas muita água ainda deve rolar até que se consiga provar que os golfinhos são bichos especiais. O que se sabe até agora é que eles são inteligentes, aprendem com rapidez e não fogem do espelho, como um bom ser humano.