O assassinato do ex-premiê Rafik Hariri no mês passado serviu como estopim para incendiar um caldeirão de descontentamento inerte desde o final da sangrenta guerra civil libanesa (1975-90). A morte do político mais popular do Líbano e principal crítico da ocupação pela Síria (que mantém 15 mil soldados no país) levou, na segunda-feira 28, mais de 25 mil pessoas à Praça dos Mártires agitando bandeiras libanesas aos gritos de “Fora Síria”. A pressão pela retirada das tropas, que vem dos EUA, países europeus e dos árabes Egito e a Arábia Saudita, parece ter dado resultados: o primeiro-ministro pró-Síria Omar Karami ofereceu sua renúncia e o presidente da Síria, Bashar al Assad, acenou com uma retirada parcial das tropas para breve. Manifestações populares derrubando governo e eleições livres na Palestina e no Iraque são certamente sinais de mudança em uma região afeita a governos despóticos. Na mesma semana dos protestos em Beirute, o presidente egípcio Hosni Mubarak, no cargo há 24 anos, anunciou no Cairo que pela primeira vez haverá eleições pluralistas no Egito. Em Londres, o presidente da Autoridade Palestina, Abu Mazen, ouviu do primeiro-ministro britânico Tony Blair que a União Européia irá contribuir com US$ 330 milhões, além dos US$ 350 milhões dos Estados Unidos, para criar condições de ser estabelecido um Estado Palestino.

Pressão internacional – A manifestação nas ruas de Beirute foi ainda mais eloquente porque mostra o enfraquecimento da mão pesada da ditadura síria. O ministro do Interior, Suleiman Franjieh, advertiu que as forças de seguranças “tomariam todas as medidas necessárias a fim de preservar a ordem e impedir manifestações e reuniões”, mas o que se viu foram soldados ajudando os manifestantes a chegarem ao local. Com as eleições parlamentares agendadas para março, a queda do governo libanês pegou muita gente de surpresa. Inclusive o governo americano, que vem intensificando cada vez mais as investidas contra as “vanguardas da tirania” (Síria, Irã e Coréia do Norte). David Satterfield, subsecretário de Estado americano para o Oriente Médio, foi enviado especialmente para Beirute e deu de cara com um governo demissionário.

Desde o ano passado, o presidente americano George W. Bush abandonou o unilateralismo e se juntou ao presidente francês Jacques Chirac no pedido pela retirada das tropas sírias. Os dois países foram os principais articuladores da Resolução 1559 do Conselho de Segurança da ONU, que exigia a saída de todas as tropas estrangeiras do Líbano. Cada vez mais isolada e acusada de fomentar a atuação de grupos terroristas como o Hizbolá (libanês), Hamas e Jihad Islâmica (palestinos), a Síria foi também acusada por Israel de estar por trás do atentado da semana passada em Tel-Aviv, que matou quatro pessoas e ameaçou a trégua entre palestinos e israelenses. Temendo as garras do Tio Sam, Damasco entregou ao governo iraquiano o meio-irmão de Saddam Hussein, Sabawi Ibrahim al-Hassan al-Tikriti, que estava foragido na Síria e é acusado de organizar atentados no Iraque.

Mas que Bush e seus aliados europeus não se iludam. “Os apelos dos EUA para reformas democráticas são importantes e podem até estabelecer novos horizontes políticos, mas é preciso entender que as mudanças que hoje acontecem no Oriente Médio são fruto de demandas internas desses respectivos países”, afirmou a ISTOÉ Marvin Kalb, da Harvard University. Sem dúvida, o assassinato de Hariri e a morte de Arafat, por exemplo, foram importantes catalisadores para a insatisfação popular. A revista britânica The Economist lembra a relevância do contexto local nesse pequeno surto de abertura democrática. De fato, as manifestações no Líbano e as eleições na Palestina e no Iraque só foram possíveis em países ocupados e que, portanto, tinham um governo central fraco. O Egito, com seu Estado centralizado, sofreu mais a influência da invasão do Iraque, mas é a exceção que confirma a regra.

Um novo cenário:
• Síria anuncia que irá retirar tropas do Líbano
• Presidente egípcio aceita eleições pluripartidárias
• EUA e Europa acenam com verba para a Palestina