O atacante uruguaio Luis Suárez é um jogador diferenciado. Sua habilidade, combinada com um raro faro de gol, e a intensidade típica dos uruguaios o transformaram em um dos goleadores mais temidos do futebol europeu, onde joga há quase dez anos. Nesta Copa, chegou como dúvida por conta de uma operação que fizera no joelho um mês antes do início da competição, mas precisou de apenas um jogo para mostrar que poderia ser uma das sensações do Mundial. Tudo ia bem até Suárez abandonar, em uma fração de segundo, o seu lado de craque para se transformar em uma fera descontrolada que ataca os oponentes a dentadas. A cena do jogo em que o Uruguai venceu a Itália por 1 x 0 em Natal, na terça-feira 23, e captada por uma das 34 câmeras da Fifa que registram tudo o que acontece em campo, chocou o mundo não só pela agressão absolutamente inusitada, mas principalmente por essa ser a terceira vez em menos de cinco anos que o maior jogador uruguaio em atividade avança sobre seus marcadores como um pitbull raivoso.

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MARCAS
Suárez trombou com Chiellini na pequena área e,
do nada, deu-lhe uma dentada no ombro

A Fifa agiu de forma rápida e dura. Em menos de 48 horas após o fim da partida anunciou a punição de Suárez: suspensão de nove partidas, multa de 100 mil francos suíços e o banimento por quatro meses de qualquer evento ligado ao futebol. Se cumprida à risca, a decisão da Fifa impede que Suárez vá a um estádio de futebol até mesmo para assistir a um jogo como espectador. A punição exemplar, no entanto, não oferece nenhuma garantia de que o atacante da Celeste entenderá, de uma vez por todas, que morder os adversários em campo talvez seja levar um pouco a sério demais a estratégia de irritar os zagueiros. Pouco mais de um ano atrás, Suárez tomou dez jogos de suspensão por ter mordido o zagueiro do Chelsea, Branislav Ivanovic. Quando deu dentadas em um zagueiro do PSV em uma partida pelo campeonato holandês em 2010, recebeu pena de sete jogos.

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Para psicólogos, o atacante uruguaio voltará a morder zagueiros
se não fizer um tratamento de longo prazo

“E esta não foi a última vez. Suárez vai voltar a morder em campo”, afirmou o professor de psicologia da Universidade de Salford, na Inglaterra, Thomas Fawcett. O psicólogo ganhou fama nesta semana por ter sido o primeiro a prever que a compulsão do atacante uruguaio em morder seus adversários se manifestaria novamente em uma partida. Fawcett afirmara em uma entrevista à BBC, em abril de 2013, que Suárez era um atleta que não conseguia lidar com as emoções em momentos de grande tensão e frustração e, como uma criança, descarregava toda a raiva mordendo os oponentes. “Era fácil prever. Isso está dentro dele e não serão algumas sessões de terapia que resolverão o problema. A raiz disso deve estar nos anos difíceis de sua infância pobre”, afirmou também à BBC Fawcett, prevendo que ele voltará a atacar.

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ATAQUES
Em 2013, Suárez mordeu o braço de Ivanovic, do Chelsea (acima),
e três anos antes já havia atacado com os dentes
o defensor do PSV, Otman Bakal (abaixo)

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Luis Suárez nasceu em uma família pobre de Salto, cidade a quase 500 quilômetros de Montevidéu, para onde se mudou aos 7 anos de idade. Sua mãe, empregada doméstica, foi abandonada pelo marido com sete filhos quando Suárez tinha 9 anos, mesma época em que ele começou a treinar no Nacional. Mas Luisito, como os uruguaios gostam de chamá-lo, só veio a se dedicar verdadeiramente ao futebol na adolescência, após a família de sua namorada, na época, Sofia Balbi, ter se mudado para a Espanha. Até então, trabalhando como gari, bebendo, arrumando confusões pelas ruas da capital e faltando mais aos treinos do que jogando futebol, Suárez era apenas mais um adolescente malandro de Montevidéu. Com a partida de Sofia, ele desenvolveu um plano mirabolante, desses típicos de adolescentes, para voltar a encontrar a namorada. Dedicaria-se ao futebol para conseguir jogar na Europa. Poucos anos depois, foi para a Holanda jogar em um pequeno time, reencontrou Sofia e, logo em seguida, casou-se com ela, com quem tem um casal de filhos.

A vida complicada de Suárez não serve para explicar sua compulsão por morder os zagueiros. Boa parte dos jogadores latino-americanos, com poucas exceções, tiveram uma infância dura. Apesar de causar tanta estranheza, talvez por remeter o ser humano aos seus instintos mais básicos e à sua natureza animal, as mordidas são uma arma comum em momentos de raiva ou tensão. Um estudo publicado pelo “Emergency Medicine Journal” mostrou que entre pacientes que necessitam de cirurgia plástica por mordidas de mamíferos, até 20% deles foram atacados por pessoas.

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No esporte, o caso mais clássico de ataques a dentadas se deu em 1997, na luta entre Evander Hollyfield e Myke Tyson. O ex-campeão mundial arrancou parte da orelha de Hollyfield em pleno ringue. Suárez, a partir de agora, deve ganhar lugar de honra entre os esportistas que perderam a esportiva e agiram como cães selvagens.

Fotos: Reprodução/Sportv; YASUYOSHI CHIBA/DANIEL GARCIA/afp photo; Pixel 8000