Já se foi o tempo em que compra e venda de material bélico pelo governo brasileiro era um assunto restrito a generais, brigadeiros e almirantes. Eles, claro, participam ativamente. Mas a negociação de grandes projetos militares também inclui autoridades e argumentos das esferas econômica e diplomática. Foi o que ocorreu com o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), em que a empresa americana Raytheon ganhou um disputado contrato de US$ 1,4 bilhão. O negócio saiu em meio a um lobby pesadíssimo das empresas candidatas e seus respectivos governos.

Agora a bola da vez é a substituição da frota brasileira de aviões Mirage III, comprados pelo País na década de 70, que deverá custar mais de US$ 1 bilhão, valor suficiente para ganhar lugar de destaque na pauta de interesses comerciais da influente indústria bélica mundial. A Lockheed Martin, por exemplo, aposta suas fichas no lobby do caça F-16, enquanto a igualmente poderosa Boeing pretende emplacar seu F-18 E/F. A Lockheed chegou a demonstrar aos militares brasileiros sua aeronave na Base Aérea de Santa Cruz, zona oeste do Rio, na quarta-feira 25. Com os americanos, concorre uma versão atualizada do Mirage, projeto da Embraer e da empresa francesa Dassault, que já está aqui e tem cerca de 30 engenheiros, no desenvolvimento do Mirage 2000 BR. Como no caso Sivam, a influência político-econômica deverá ser decisiva na hora de bater o martelo.

O peso da política econômica sobre as conveniências das Forças Armadas, por sinal, ficou claro nos bastidores do evento Latin America Defentech, realizado na semana passada no Riocentro, onde o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Baptista, pôde analisar alguns modelos. Baptista conseguiu tirar do fundo da gaveta a renovação da Força Aérea Brasileira, depois de conversas com os ministros da área econômica, nas quais usou a habilidade de piloto de combate. Tal como seus colegas do Exército, general Gleuber Vieira, e da Marinha, almirante Sérgio Chagas Telles, o brigadeiro procura adotar compensações para a indústria nacional nos contratos internacionais. “Renovamos o material levando em conta a situação econômica do País”, afirmou Baptista.

A principal preocupação da equipe econômica tem a ver com as dificuldades do Brasil em equilibrar suas contas externas. Por conta disso, todas as alternativas capazes de equilibrar a importação de materiais de defesa com a exportação de produtos brasileiros estão sendo estudadas. Até a possível troca por armas de parte da dívida polonesa com o governo brasileiro, de US$ 3,5 bilhões, acaba de entrar na pauta dos militares. A possibilidade de usar esses créditos, entretanto, é reduzida, ao menos no curto prazo.

“A contrapartida é absolutamente fundamental”, diz o ex-ministro da Aeronáutica, brigadeiro Mauro Gandra, enquanto o executivo Marcelo Reis, consultor da empresa britânica Rotch, admite que “na América Latina, a contrapartida, usada com o profissionalismo adotado pelos militares brasileiros, pode compensar, no plano econômico, a importação de material militar e fortalecer a indústria”. Nesse caso, a Embraer poderá sair gannhando. Reis afirma que tal recurso está de acordo com o programa especial de exportações e não contraria normas da Organização Mundial do Comércio (OMC).