No dia 12 de abril, a paulistana Bibiana Cavalcanti, 17 anos, saiu da casa dos avós, em Valinhos, a 80 quilômetros de São Paulo, com apenas uma mochila “cheia de ilusões”. Como na música Fuga nº 2, dos Mutantes, ela foi em busca de um sonho. Levava na carteira apenas R$ 160 conseguidos com a venda de seu aparelho de som. Comprou um bilhete de ônibus para a capital paulista e guardou o resto para o mais importante: unir-se a um bando de jovens que desde o dia 7 do mês passado acampa em frente ao estacionamento do Centro de Convenções do Anhembi. O objetivo? Garantir um bom lugar no esperado show Black & blue world tour, da banda jovem americana Backstreet Boys. Bibiana e outros milhares de fãs lotarão o Maracanã, Rio de Janeiro, na quinta-feira 3, e o Anhembi, nos dias 5 e 6. Guardadas as devidas proporções, o BsB representa para esta gente o que os Beatles eram para a juventude dos anos 60.

São sete anos de carreira, quatro trabalhos lançados e 66 milhões de discos vendidos mundo afora, com um pop dançante, meloso e descartável. O quinteto de Orlando, na Flórida, formado pelos bons moços Kevin, 28 anos, Howie, 27, Brian, 25, AJ, 22, e Nick, 20, foi a atração mais pedida na pesquisa prévia realizada pelo Rock in Rio 3. Só não veio na época porque os custos eram muito altos para uma única apresentação. Os 1.040 backstreet fãs, que se revezam em 58 barracas em frente ao Anhembi, esperam pela oportunidade há pelo menos dois anos, quando a banda demonstrou interesse em se apresentar no Brasil.

Tanta expectativa justifica a ensandecida e, ao mesmo tempo, organizada empreitada destes jovens saídos de várias regiões do País. Na quinta-feira 19, a reportagem de IstoÉ foi conferir a operação em São Paulo. Montou uma barraca no local e passou 24 horas acompanhando a rotina dos fãs. Bibiana, por exemplo, ocupa uma barraca oferecida por dois quarentões que querem ver o show de pirotecnia dos rapazes, mas não encaram a fila. “Só tinha um cobertor. Agora tenho uma barraca e eles uma vaga”, festeja Bibiana.

A barraca da adolescente até que é um preço pequeno para quem busca um lugar ao sol, mas não quer ficar na fila. Tem gente cobrando de R$ 300 a R$ 1 mil para guardar lugar. Para aguentar a precariedade de ficar ao relento sem nenhuma infraestrutura, só mesmo com muita camaradagem. Camila Félix, 19 anos, saiu de Marília para viver a mesma aventura e, vira e mexe, arruma um prato de comida para a vizinha Bibiana. Conhecida como a chorona do grupo, a estudante de publicidade não dá as caras na universidade nem no trabalho há três semanas. Ela se debulha em lágrimas só de ouvir o nome da mulher do queridinho Brian.

Força – O principal vocalista do BsB é o mais desejado porque, além de religioso e comportadinho, sofreu recentemente uma cirurgia no coração, o que o tornou mais vulnerável aos olhos das garotas. Camila também nutre admiração profunda por Kevin, o mais velho da trupe, que cuida dos negócios. “O pai dele morreu alguns anos antes do meu. Sua garra me deu força para superar este trauma”, conta. Kevin e Brian são primos e começaram cantando numa igreja batista do Kentucky, Estado natal. Eles se juntaram ao trio formado por AJ, Howie e Nick em 1993, depois que Kevin foi trabalhar como guia num parque da Disney, em Orlando. Inspirados no som de grupos negros como Boys II Men, eles começaram a explorar as vocalizações em coro. Logo caíram nas graças do casal Donna e Johnny Wright, empresários de boys band do passado, como New Kids on the Block, que os catapultaram para o sucesso.

Foram também apadrinhados pelo executivo Louis J. Pearlman, dono da Trans Continental Airlines, que investiu US$ 3 milhões no quinteto. Antes de perder o controle da galinha dos ovos de ouro, que o processou mais tarde por embolsar mais do que o merecido, Pearlman criou o N’Sync, grande concorrente do BsB. Ele sabe de cor a fórmula das boy bands: rostos bonitos, corpinho sarado, habilidade para requebros e pelo menos uma minoria étnica entre os integrantes. Outra receita prescreve que um deles deve ser mais sexy, outro mais doce, o seguinte caretinha e assim por diante. Os BsB seguem à risca todos os itens, reservando ao nova-iorquino Howie, com mãe porto-riquenha, o rótulo do latino romântico. Como ingrediente a mais, uma diferença significativa: eles cantam de verdade, sem playback.

Junto com o exército de 150 pessoas que acompanham o quinteto na turnê, iniciada em 22 de janeiro, em Fort Lauderdale, na Flórida, contam-se sete músicos. São eles que seguram a cozinha do espetáculo, já que os garotos de Orlando só se dedicam a cantar, dançar e trocar de roupas. Na 1h40 de espetáculo, eles mudam o visual cinco vezes. O mais fashion é AJ. Cheio de tatuagens, tem as unhas pintadas de preto, piercings no queixo e madeixas cor de vinho. Talvez por isso, seja o modelo para adolescentes como Robson Silvestre, 19 anos. Ele ainda não teve coragem de comprar o Wellaton, mas já adotou o esmalte a la Mortícia Adams.

Acampado desde o dia 7 de abril, Silvestre divide a barraca com a nova namorada que conheceu no local, Monique Deak, 17 anos, o amigo Jefferson Oliveira, 20, (cover do latino Howie) e mais 52 pessoas que se revezam para dormir. Todo dia às 6h30 da manhã, Oliveira grita na porta de cada uma das barracas até os fãs se levantarem. “Robson e eu somos os Sem Condições: sem condições de dormir, de comer ou relaxar”, brinca.

Banho – O que o garoto esqueceu de mencionar é que as 200 pessoas que varam a madrugada na frente do Anhembi poderiam se intitular também os Sem Condições de se Banhar. Proibidas de usar o banheiro do Centro de Convenções, as vaidosas tietes do BsB são obrigadas a caminhar cerca de 500 metros até o Sambódromo para se lavar. Uma rádio FM cedeu para a molecada dois banheiros-contêineres, instalados próximos às barracas. Mas na hora do banho, de pia, claro, é no Sambódromo que elas fazem a festa. As irmãs Taís, 18 anos, e Luana Ramires, 19, se juntam à amiga Núbia de Lima, 18, para diariamente cuidar do visual. Elas gastam quase uma hora para lavar o cabelo e retocar a maquiagem. A vaidade, somada ao título de primeiras a acampar, faz das paulistanas alvo de inveja dos colegas. “Fomos as precursoras e isso faz com que nos achem arrogantes”, conta Taís, que sabe de cor quase todos os hits da banda.

A música Shape of my heart é o carro-chefe do disco e o bis no espetáculo de 22 canções, que inclui sucessos como As long as you love me, Quit playing games (with my heart), I’ll never break your heart e I want it that way. A estudante Aline Silva, 17 anos, não vê a hora de cantar essas melodias junto com os ídolos. No Anhembi desde o dia 12, ela é um dos únicos adolescentes que estão faltando na escola com o consentimento dos pais. Os demais matam aula ou vão estudar e voltam para a sede da histeria. “Se eu não a deixasse faltar na escola, ela viria escondida. Pelo menos, eu sei que minha filha está sendo bem cuidada”, justifica a mãe de Aline, Conceição da Silva, 41 anos. O psiquiatra Salvador Busse condena essa postura. “Os adolescentes precisam de ídolos para consolidar sua personalidade, mas os pais não podem deixar que a admiração vire insanidade”, resume.

O fato é que todo o acampamento está lucrando com os “cuidados” da mãe de Aline. A jovem é a única a possuir fogareiro, vive distribuindo cafezinhos e preparando refeições para a vizinhança. Ela é uma das principais responsáveis pelo clima de solidariedade que paira sobre os backstreet fãs. A banda pode até ser de gosto duvidoso, mas está servindo para ensinar a mil adolescentes a importância do espírito de grupo.