Cena um: o casal Júlio César Ferreira Viana, 32 anos, e Adriana, 31, deixa sua fazenda em Senador Cortês, Minas Gerais, para levar a filha Victória, 2 anos, ao médico em Mar de Espanha, cidade próxima. Também entram no fusquinha Theodora, 7 meses, irmã de Victória, e a tia-avó Isabel Benedicta, 93 anos.

Cena dois: o médico Ademar Pessoa Cardoso, 50 anos, e o empresário Ismael Keller Loth, 29, fazem em público uma aposta de R$ 2 mil. Eles fariam uma corrida, um “pega”, do centro de Mar de Espanha até a cidade vizinha de Bicas. Ademar usava um Tempra e Ismael, uma Blazer. Foi combinado que o Tempra não poderia ultrapassar 180 quilômetros por hora porque a Blazer não chega a tal velocidade.

Última cena: numa curva da MG-126, a Blazer ocupa a pista da contramão e se choca com o fusquinha. O casal, as duas crianças e a tia-avó morrem na hora. Seus corpos ficaram irreconhecíveis.

A tragédia completou cinco anos em 5 de abril. Durante todo este tempo, os pais de Adriana, José Geraldo, 68 anos, e Delizete Carnaúba Correia de Souza, 65, transformaram a luta por justiça no sentido maior de suas vidas. Com as idas e vindas judiciais e as jogadas dos advogados, a única punição foi a perda da carteira de habilitação do empresário da Blazer. O caso passou pelo Tribunal de Justiça, que não acolheu a tese de crime doloso. Um recurso do Ministério Público ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), no entanto, finalmente deverá levar a dupla a júri popular. A decisão foi tomada pelo STJ em 5 de abril.

Às vésperas da decisão, Delizete havia feito as malas para sair do País, aceitando um emprego em uma ONG finlandesa. “Depois de cinco anos de lágrimas e decepções, me sentia órfã de pátria. Eu não queria estar aqui para mais uma decepção”, conta Delizete. A morte da filha, do genro e das netas foi o golpe de misericórdia em uma vida de sofrimento. Júnior, filho de Delizete, morreu de embolia gasosa em 1965, com dois anos de idade. A Aids matou seu outro filho, João, aos 18 anos, em 1987, e o neto José Geraldo, aos seis anos, em 1988, ambos hemofílicos.

“Quando Adriana se casou e teve duas meninas, minha família renasceu, livre da maldição. Meu genro era um filho, como se substituísse nossos mortos”, lembra Delizete. A depressão após a tragédia em Mar de Espanha levou seu marido a fechar a metalúrgica. Os bois foram vendidos para sustentar as despesas judiciais. “Ainda temos uma fazenda e um apartamento no Rio, mas não temos mais para quem deixar, nossa família vai acabar conosco”, diz Delizete.

Com a decisão do STJ, o empresário e o médico devem ir a júri popular em Mar de Espanha, em data ainda não marcada. Segundo o procurador-geral de Justiça de Minas à época do recurso, Epaminondas Fulgêncio Neto, uma eventual condenação seria a primeira por homicídio doloso num crime de trânsito no Estado. “A Justiça tem reservas em ver dolo pela falta da intenção de matar, mas é incontestável que assumiram o risco de matar”, explica o procurador. ISTOÉ tentou ouvir os acusados, que não retornaram as ligações.