Quando alguém se refere a outra pessoa como dona de uma saúde de ferro, qual é a primeira imagem que vem à cabeça? Pode ser um corpo sarado ou um rosto sorridente. Dá para pensar também em um casal namorando ou viajando. E até num funcionário com pique para o trabalho. Se você estranhou parte dessas cenas, prepare-se. Uma pesquisa concluída no início deste mês mostrou que, para os paulistanos, saúde é muito mais do que a ausência de doenças, idéia corrente entre os brasileiros até pouco tempo atrás. Viver de modo saudável, de acordo com esse levantamento, não se limita a uma boa alimentação e à prática regular de exercícios. Inclui qualidade de vida e estar bem consigo.

A pesquisa foi apresentada pela Bates Healthworld Brasil, uma divisão do Grupo Newcomm Bates, especializado em marketing e publicidade. Interessada em trabalhar com empresas voltadas à área de saúde (como academias e laboratórios), ela encomendou entrevistas com 300 moradores de São Paulo, das classes A e C, entre 18 e 60 anos, para descobrir qual é o conceito de saúde em voga na capital paulista. “Trinta anos atrás, o conceito era a antítese da doença. Hoje, as pessoas percebem que saúde não é só tomar remédios. Existe uma convergência de territórios”, afirma Walter Longo, presidente do grupo. Por essa convergência, entenda-se fitness, alimentação, sexo, massagem, lazer e amigos, entre outros itens.

Apesar disso, comer bem – conselho dado pelas nossas avós – ainda é o principal sustentáculo do bem-estar físico e mental. A pesquisa mostra que 47% dos entrevistados acham que boa alimentação é sinônimo de saúde. Além disso, eles consideram que praticar exercícios (34% das respostas), não estar doente (20%), ter qualidade de vida (20%), não ter vícios (19%), estar disposto para o trabalho (14%) e estar bem consigo (14%) também são fatores para viver de modo saudável. “Esses porcentuais mudam um pouco de acordo com a classe social. Na classe C, por exemplo, surgiu uma resposta bastante curiosa: saúde é não ter dívidas”, acrescenta Longo. As respostas mais discrepantes, de acordo com as classes, foram a boa alimentação (39% da classe A acham que ela é sinônimo de saúde, contra 53% da C) e estar bem consigo (17% na A e 11% na C).

Débito – Para os médicos, as respostas refletem que a população está recebendo cada vez mais informações a respeito do tema saúde. Mas isso não quer dizer que as pessoas saibam exatamente como viver melhor. De fato. A pesquisa revela que o paulistano está longe do que deseja. “Há uma sensação de débito. As pessoas reclamam que comem pior do que gostariam, são mais estressadas do que deveriam e vão menos ao médico do que o recomendável”, argumenta Longo. Especialista em medicina preventiva, Fábio Nasri, do Hospital Albert Einstein, de São Paulo, conhece bem o perfil desse brasileiro insatisfeito. “É um sujeito despreocupado com a saúde e que só procura ajuda quando está com alguma doença. Muita gente não vai ao médico porque tem medo de encontrar algo. E quanto à saúde mental, alguns já incorporaram esse conceito, mas não são muitos. Esse conceito vai demorar a chegar para a população mais pobre, que tem de se preocupar em não ficar doente para não perder o emprego”, diz.

Em relação à alimentação, Nasri sustenta que a população não reza pela mesma cartilha. “Para a classe A, alimentar-se bem significa ter uma dieta equilibrada, com pouca gordura. Na C, a preocupação é com a quantidade. Falta comida para a população”, afirma. A nutricionista Myrian Najas, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), confirma que as pessoas desse grupo social procuram ajuda especializada em geral para tratar enfermidades como diabete. “Dificilmente elas querem orientação de dietas como forma de melhorar a saúde se não for pelo viés da doença. E aí aproveitam para pedir conselhos para emagrecer”, conta. Mesmo entre os mais ricos, há problemas. No caso de executivos, também não é fácil alimentar-se bem. Como vivem constantemente em reuniões ou em viagens, eles acabam recorrendo a pratos rápidos e a alimentos industrializados. “Já que ninguém consegue parar de trabalhar, o que se deveria fazer é procurar restaurantes que ofereçam cardápios menos gordurosos e mais saudáveis. É uma questão de comportamento, de persistência”, conclui Myrian.

Persistir é também um conselho de Nasri para que qualquer pessoa atinja seus ideais de saúde. Isso independe da classe social. Ele cuidou de uma copeira que estava preocupada com o excesso de peso. “A moça não tinha condições para fazer ginástica. Recomendei-lhe que pegasse seu ônibus rotineiro dois pontos antes. Ela passou a se movimentar, o que não fazia. E também pedi que levasse sempre uma maçã para comer nos intervalos do trabalho. A copeira perdeu cinco quilos em um mês”, conta. O advogado Mílton Zlotnik, 55 anos, sócio de um escritório instalado numa região rica de São Paulo, também se viu obrigado a repensar seu cotidiano. Hipertenso, há um ano procurou um geriatra e contratou um personal trainer. Sua dieta está equilibrada e os exercícios são executados diariamente. “A verdade é que a gente sempre espera um aviso do corpo para cuidar melhor da saúde. Foi o que aconteceu comigo. Só procurei ajuda porque comecei a me sentir mal. Para ter boa saúde, precisa-se de muita conscientização”, observa.

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Leis – Mas o epidemiologista Francisco Gonçalves Santos, do departamento de medicina preventiva da Unifesp, faz um alerta. “Para que se atinja o desejo de viver de modo mais saudável, é fundamental ter acesso a um serviço de saúde que compreenda esse conceito de integração de áreas. Costuma-se jogar a responsabilidade sobre a saúde apenas nos ombros do indivíduo”, critica. Ele lembra que o conceito de saúde da Organização Mundial de Saúde significa bem-estar físico, mental e social. “Deve-se investir em educação e informação, mas é importante ter leis que facilitem a obtenção de saúde, como a proibição de campanhas de cigarro e a diminuição da carga de trabalho”, acredita. Para Santos, é bom também parar de se estimular a competitividade. “A sociedade incentiva a separação. As pessoas deveriam se unir para lutar por direito ao lazer, por exemplo. Por isso, digo que saúde não é apenas questão de hábito”, conclui.


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