Na estrutura de alumínio semelhante à parafernália dos megaconcertos de rock, 18 jovens atores cantam, dançam e tocam instrumentos, muitas vezes dependurados como acrobatas nas barras metálicas que servem de cenário. A energia e o entusiasmo da trupe de rostos desconhecidos são contagiantes. Especialmente porque, entre um diálogo e outro, todos interpretam canções maravilhosas de Chico Buarque de Hollanda e Edu Lobo. Elas fazem parte do musical Cambaio, em cartaz no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, que marca o reencontro dos dois compositores que não se juntavam desde 1988. Para o espectador fã de Chico e Edu será sempre um alento ir ao teatro ouvir oito novas composições. Todo mundo sabe, a trilha de um musical é a sua alma. Mas, depois de tanto segredo e de gastos rondando o R$ 1,5 milhão, a expectativa em torno de Cambaio tornou-se maior que seu resultado.

Misturando sonho e realidade, a trama fugidia fala da paixão de dois homens pela mesma mulher, a tiete Bela (Carolina Bello). O primeiro deles, Cara (João Simão), é um astro pop amparado em cambaleantes pernas de pau – daí o nome cambaio –, prestes a enfrentar mais uma platéia sedenta. O outro, Rato (Daniel del Sarto), é um cambista de ingressos que fechará o triângulo amoroso. Descrito desta forma parece que Cambaio tem um enredo linear. Não tem. Com uma estrutura fragmentada, sem referências precisas de espaço e tempo, a história se desenvolve em meio a uma narrativa labiríntica. A cada momento, o espectador é surpreendido com a revelação de que a cena em curso é, na verdade, sonho de um outro personagem, que adiante estará no sonho de mais outro. “Dei para sonhar que sou ele sonhando que sou eu sonhando que sou ele”, diz, a certa altura, o cambista Rato, dando o tom onírico do musical.

A lógica dos sonhos, contudo, pode ser boa no papel, mas precisa de muito artifício para funcionar no palco. Em vez de se multiplicar num jogo infinito de espelhos, torna-se autofágica até virar uma história mínima e repetitiva. Então, a sólida presença das canções de poesia madura passam a ter vida própria, sem casar com os diálogos sempre muito joviais imaginados pelo diretor João Falcão em parceria com sua mulher, Adriana. A dupla deveria ter previsto esta armadilha quando, há um ano, decidiu se juntar a Chico Buarque e Edu Lobo num processo de criação coletiva no qual os diálogos surgiam de sugestões das canções e vice-versa.

Um outro equívoco foi convidar o pernambucano Lenine – cantor e compositor de talento e ultimamente quase endeusado pelo ótimo CD Na pressão – para a direção musical. Lenine é um artista de musicalidade e estilo completamente diferentes da dupla compositora. Não é só. Ele acabou contrariando o universo político e romântico de Chico ao incluir um DJ apenas para fazer malabarismos com o toca-discos. A intenção era dar uma roupagem regional-moderna à trilha original, mas terminou por soar falso, para não dizer despropositado, e o tiro saiu pela culatra. Nos intermináveis ensaios, Chico parecia um E.T. diante das estrepolias do DJ KBÇA. Falcão, no entanto, gosta do tipo de mistura. “Esta feijoada é o que existe de melhor na nossa cultura, não vejo por que negá-la”, diz. O problema é que faltaram os ingredientes essenciais na execução da receita.