Deslumbrado com a opulência da antiga civilização egípcia, o general córsico Napoleão Bonaparte voltou-se para seus soldados enfileirados às margens do rio Nilo e gritou: “Do alto destas pirâmides, 40 séculos vos contemplam.” A frase entrou para a história e, a partir da campanha militar iniciada em 1798 por Napoleão, o Ocidente passou a cultivar uma intensa curiosidade pelo Egito, que já dura dois séculos. Sarcófagos, múmias e faraós viraram objeto de culto da nobreza européia e principalmente francesa. Tanto que, em 1822, Jean-François Champollion, por indicação do rei Charles X, tornou-se o primeiro curador do departamento egípcio do Museu do Louvre, que, atualmente, após reforma de dois anos, abriga uma coleção de 60 mil itens. Embora seja apenas uma ínfima fração dos valiosos objetos, pela primeira vez parte deste acervo se desloca para o Brasil. São 56 peças que compõem a exposição A arte no Egito no tempo dos faraós, cuja inauguração acontece na quarta-feira 2, no Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap). A seguir, o Museu de Arte de São Paulo (Masp) adere à egiptomania e garante abrir no dia 30 de julho uma nova mostra, utilizando outras 88 peças do rico acervo do Louvre, além de 20 objetos da própria instituição e da Fundação Eva Klabin Rappaport, do Rio de Janeiro.

Batizada de Egito faraônico – terra dos deuses, a exposição do Masp abrigará itens de quase três toneladas e centrará seu foco na religiosidade. A da Faap – orçada em US$ 150 mil – ilumina aspectos menos conhecidos do apogeu da cultura egípcia. Com um sarcófago, um invólucro de múmia feito de tecidos mergulhados no gesso, desenhos, estátuas e esculturas em calcário, granito, alabastro e mármore, a mostra traça um painel ilustrativo de como eram executadas no Egito as obras de arte correspondentes ao Novo Império, entre 1570 e 1185 a.C. Entre os principais itens, Geneviève Pierrat-Bonnefois – conservadora chefe do departamento egípcio do Museu do Louvre e curadora artística da exposição – destaca o sarcófago Oudjahor, de 2m10 de altura, 50 cm de profundidade e uma tonelada, esculpido em mármore branco e coberto de figuras e inscrições religiosas. Como os egípcios acreditavam que após a morte iriam passar por várias atribulações e desafios antes de alcançar o paraíso, o sarcófago funcionava como uma proteção mágica.

Mas não será de peças do gênero a essência da mostra, que infelizmente não exibirá nenhuma múmia – o aparato para manter a conservação durante o transporte é muito dispendioso e arriscado. A arte no Egito no tempo dos faraós preferiu jogar suas luzes sobre o que Geneviève define como aspectos despretensiosos da cultura egípcia. Salvo pequenas variações de estilo, os desenhos e a estatuária apresentam formas limpas, seguindo os rígidos cânones da arte de então, cuja principal função era retratar o faraó e as divindades.

Para o egiptólogo Antonio Brancaglion Junior, consultor técnico da exposição, os desenhos são para ser lidos como um texto. “O hieróglifo é uma arte e a arte é um hieróglifo, um complementa o outro”, explica. Na verdade, o evento é uma homenagem aos artistas-artesãos que produziam sob regras rigorosas a mando dos faraós. A casta habitava um conjunto de 75 casas, numa vila chamada Deir-el-Medina, localizada em Tebas, atual Luxor, próximo ao Vale dos Reis. “Era uma comunidade hippie”, brinca Brancaglion. Alguns deles tinham grandes privilégios e direito a tumbas grandiosas. Tanto que uma das principais missões do egiptólogo foi orientar a construção da réplica da tumba do contramestre Sennedjen, um monumento de dois metros de altura com cinco de comprimento, que ocupará o Salão Cultural da Faap – a tumba verdadeira está nas imediações de Luxor. Na construção da réplica foram reproduzidas até as trincas existentes nas paredes da edificação original. Dentro está colocado um minisarcófago de calcário pintado, de 19 cm, antigamente usado para guardar vísceras.

Recheada de aspectos didáticos e lúdicos – foram colocados 12 computadores com joguinhos temáticos –, a mostra também está dando a largada para uma espécie de temporada egípcia no Brasil. A partir do dia 27, o canal pago Discovery exibirá a série Múmias: os segredos de nossos ancestrais e outros programas relativos ao tema, enquanto o canal USA, também pago, promoverá todas as quintas-feiras, a partir do dia 10, seu Festival da múmia, com filmes antigos sobre o assunto. Ainda é bom lembrar que a trepidante produção hollywoodiana O retorno da múmia tem estréia prevista para o fim do mês. Sem nenhuma maldição.