Responsável pela campanha vitoriosa do Rio para sediar os Jogos de 2016 e do Qatar para a Copa de 2022, o marqueteiro britânico diz que a entidade máxima do futebol precisa mudar e elogia o Mundial no Brasil

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SURPRESA POSITIVA
Lee no Centro Brasileiro-Britânico: segundo ele,
o Mundial tem funcionado bem no Brasil

 

O britânico Mike Lee, 56 anos, é um dos maiores nomes do marketing esportivo no mundo. Foi com o apoio de sua consultoria, a Vero Communications, que o Rio de Janeiro conquistou o direito de sediar os Jogos Olímpicos de 2016. Além dessa vitória, Lee ainda ostenta no currículo as bem sucedidas campanhas pela candidatura de Londres, em 2012, e pela Copa do Mundo no Qatar, em 2022 – essa última objeto de investigação após o vazamento de centenas de e-mails que apontam a compra de votos para que o torneio fosse realizado no país árabe.

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"A Fifa (na foto, o presidente da entidade, Joseph Blatter) tem um problema
de imagem de marca e precisa aprender lições sobre a Copa no Brasil"

 

Em visita a São Paulo, para participar do “Seminário sobre Mega Eventos Esportivos: o Legado de 2012”, realizado pelo governo britânico, Lee falou com exclusividade à ISTOÉ sobre a Olimpíada de 2016, a Copa de 2014 e as polêmicas envolvendo a maior entidade do futebol mundial.

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"O Brasil deveria se orgulhar de organizar a Copa (na foto, o Maracanã)
e a Olimpíada. Poucos países são capazes disso"

ISTOÉ

 Devido aos protestos contra a realização da Copa no Brasil, o sr. em algum momento chegou a acreditar que o evento não se concretizaria?

 
Mike Lee

 Não. O Brasil enfrentou alguns momentos difíceis em junho e julho do ano passado, mas agora parece que a popularidade da Copa está aumentando e o alcance dos protestos diminuindo. No entanto, acredito que essas manifestações são legítimas. Protestos fazem parte de qualquer democracia. E acho que agora o mundo reconhece o Brasil como uma verdadeira democracia. O Brasil deveria se orgulhar muito de sediar os dois maiores eventos esportivos do mundo em sequência, a Copa e a Olimpíada de 2016. Poucos países são capazes disso. 

 
ISTOÉ

 Como a experiência conquistada na Copa de 2014 poderá ajudar o Brasil na Olimpíada de 2016?

 
Mike Lee

 A primeira lição será manter-se firme diante das críticas da mídia e de outras entidades civis. Pelo que era divulgado na imprensa internacional antes da Copa do Mundo, você acreditava que o Brasil todo estava imerso no caos. Eles diziam que nenhuma das instalações estaria pronta a tempo, que o transporte não funcionaria, que os aeroportos eram verdadeiros canteiros de obras. 

 
ISTOÉ

 Que avaliação o sr. faz da Copa no Brasill?


 
Mike Lee

 Minha experiência tem mostrado o contrário disso. Tudo está funcionando. O que é incrível, especialmente para um país tão grande quanto o Brasil. Os turistas estão viajando de um lado para outro com tranquilidade. Para 2016, acho que a maior lição será não deixar que as críticas atrapalhem o trabalho que precisa ser feito. Esta Copa mostrou que não dá para julgar a experiência que as pessoas terão até que o evento comece mesmo. 

 
ISTOÉ

 Quando a campanha para a Olimpíada de 2016 foi realizada, a economia do Brasil estava em uma rota ascendente. Agora, o cenário mudou. O sr. acha que isso terá algum impacto na realização dos Jogos?

 
Mike Lee

 A meu ver, a economia brasileira continua, em sua essência, forte. Quando fizemos a campanha, o crescimento econômico estava em ascensão, mas hoje o Brasil ainda tem uma grande economia, muito diversa e moderna. Acho que a estima do Brasil no cenário internacional é muito alta. Às vezes, os brasileiros não aceitam ou apreciam isso, mas o mundo tem uma visão bem positiva do Brasil. Veja o caso de Londres. Os Jogos Olímpicos de 2012 foram realizados no meio de uma das piores recessões econômicas da era moderna. Então, os comitês organizadores e os países-sede têm que ser capazes de se ajustar a essa situação. Também é importante lembrar que os investimentos feitos durante um evento desse porte são todos de longo prazo. Melhorias em transporte, habitação, novas instalações esportivas, tudo isso faz parte do legado de um evento esportivo como a Copa e a Olimpíada. Acredito que o legado desses eventos será muito positivo para o Brasil. 

 
ISTOÉ

 Como o sr. avalia a atuação da Fifa e do Comitê Olímpico Internacional? É possível traçar um paralelo entre as práticas das duas entidades?

 
Mike Lee

 O Comitê Olímpico Internacional (COI) tende a ser mais sensato e mais cooperativo com as autoridades políticas e com os comitês organizadores locais do que a Fifa. Talvez a Fifa precise aprender algumas lições com a organização da Copa do Mundo no Brasil. Estamos vendo que é um grande torneio. Esse mérito a Fifa tem, mas ela precisa aprender que não pode impor sua vontade sobre as autoridades políticas, e que tem de trabalhar em parceria com outras entidades. Nesse sentido, o COI é mais focado em trabalhar em unidade. 

 
ISTOÉ

 O que precisa mudar na Fifa?


 
Mike Lee

 A Fifa tem passado por desafios, não apenas no Brasil. Ela precisa rever o jeito como trabalha e como governa o mundo do futebol. A Fifa definitivamente tem um problema de imagem de marca e, por isso, tem de aprender lições não só sobre a Copa no Brasil, mas também sobre a forma como é gerenciada.

 
ISTOÉ

 O movimento contrário à Fifa no Brasil atinge de alguma forma seus patrocinadores?

 
Mike Lee

 Acho que os patrocinadores estão bem felizes com a Copa do Mundo no Brasil. É um evento magnífico para eles. E o apoio dos patrocinadores é vital para os investimentos no futebol aqui, além de ser essencial para realizar o evento da melhor forma possível. Antes de a Copa começar, os patrocinadores expressaram algumas preocupações sobre as alegações feitas em relação a condutas antiéticas da Fifa. Mas você não vê nenhum deles desistindo de participar do torneio. No final das contas, a Copa é um evento que representa uma oportunidade de exposição extraordinária para as marcas.

 
ISTOÉ

 Qual é a visão dos patrocinadores da Olimpíada de 2016 em relação ao Brasil e ao que foi feito até agora?

 
Mike Lee

 Até agora, a experiência da Copa mostra que os patrocinadores da Olimpíada têm razões para serem mais otimistas e para acreditarem que podem investir em formas diferentes de interagir com os torcedores e com a população. Acredito que essas marcas vão querer se envolver mais com as comunidades do Brasil. Os patrocinadores da Copa não foram tão ativos em ações de marketing pelas cidades, em presença de marca nos aeroportos e estradas, porque estavam nervosos por causa das manifestações do ano passado. Mas acredito que esse nervosismo não se repetirá nos Jogos de 2016.

 
ISTOÉ

 Como o sr. vê as acusações de corrupção que foram levantadas sobre a eleição do Qatar como país-sede da Copa de 2022?

 
Mike Lee

 Asseguro que, durante minha experiência de dois anos na campanha para o Qatar, não vi nada de errado, nenhum comportamento antiético ou corrupção. E, se tivesse visto, teria saído do projeto. Minha companhia atuou como uma consultora e também coordenando toda a comunicação internacional da campanha, ajudando no marketing. Mas as acusações de corrupção envolvem lobby e pessoas que tinham contato direto com os integrantes do comitê executivo da Fifa. Nós não fazíamos essa parte.

 
ISTOÉ

 Qual será a sua posição se alguma prática ilegal for comprovada?

 
Mike Lee

 Se for descoberta alguma prática ilegal para compra de votos, eu acredito que deveria mesmo haver uma nova eleição. Atualmente há um relatório sendo feito por um investigador independente. Ele disse que já encerrou suas investigações e irá apresentar o resultado para a Fifa depois da Copa do Mundo. Temos que aguardar para saber o que estará nesse relatório e o que a Fifa recomendará a partir disso. 

 
ISTOÉ

 Como isso afetará as próximas eleições para os países-sede?

 
Mike Lee

 A Fifa já disse que quer mudar a forma como são realizadas as votações para eleger os países sede da Copa. Houve problemas nas eleições de 2018 e 2022, e nas votações futuras todas as associações nacionais da Fifa farão parte. Atualmente, a decisão é tomada apenas pelo comitê executivo da Fifa. A entidade já afirmou que a próxima votação, para a sede de 2026, será uma votação do congresso da Fifa para todas as associações nacionais. São aproximadamente 200. Isso vai tornar as votações mais democráticas e transparentes. Será uma oportunidade para que todas as associações nacionais possam ser ouvidas. 

 
ISTOÉ

 Quais são suas expectativas para a Olimpíada do Rio de Janeiro em 2016?

 
Mike Lee

 Tenho expectativas muito positivas. Acredito que o Comitê Olímpico Brasileiro está fazendo progressos. Como já disse o Comitê Olímpico Internacional, é importante acelerar o passo. Com o fim da Copa de 2014, o foco passará para a Olimpíada de 2016, mas tenho confiança de que tudo ficará pronto a tempo.

 
ISTOÉ

 Acredita que as autoridades brasileiras estão comprometidas e fazendo a sua parte para a boa realização dos Jogos Olímpicos?

 
Mike Lee

 Sim. A Olimpíada de 2016 é um projeto vital e de extrema importância para os governos municipal e estadual do Rio de Janeiro, e também para o governo federal. Todos parecem comprometidos em cumprir as promessas que foram feitas durante a campanha de escolha da cidade-sede. É claro que há desafios, inclusive pelo tamanho dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos atuais, que contemplam mais de 28 modalidades. Essa variedade claramente demanda investimentos em infraestrutura esportiva e de logística, mas tudo parece estar caminhando. Recentemente, as federações esportivas internacionais vieram para o Rio, falaram com as autoridades, e agora estão mais confiantes em relação ao projeto


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