São apenas 2,5 quilômetros quadrados, mas situados em um território historicamente minado de conflitos. O que seria um bairro em uma grande cidade tornou-se um incendiário palco da interminável guerra entre israelenses e palestinos. Esse pequeno pedaço de terra na Faixa de Gaza – que desde o acordo de Oslo em 1993 tem dois terços de seu território controlados pela Autoridade Nacional Palestina (ANP) – foi alvo na madrugada de terça-feira 17 de uma das maiores operações militares do Exército de Israel desde o início da nova Intifada (rebelião), em setembro de 2000. Os ataques, que começaram no sábado 14, vieram por terra, mar e ar e destruíram vários edifícios, entre eles uma unidade da Força 17, a guarda pessoal do presidente da ANP, Yasser Arafat, matando um policial e ferindo outros 36 palestinos. Tanques e escavadeiras completaram o trabalho de demolição de edifícios em território palestino. Arafat classificou a ação como uma “tática suja israelense para acabar com a resistência palestina”. Israel se retirou depois da pressão americana, mas as tropas voltaram a Gaza na quarta-feira 18.

Vespeiro – Mas os ataques a Gaza foram fichinha perto do bombardeio ao Líbano. Dois dias antes, na noite de domingo 15, Israel atacou uma estação de radar do Exército sírio em Dahr el-Baidar, matando três soldados sírios e ferindo outros três. O primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon, que anunciou que as regras do jogo mudaram, entrou de vez com seu ferrão num vespeiro que estava relativamente amortecido. Desde 1996, quando Israel bombardeou bases guerrilheiras matando mais de 100 civis, esta é a primeira vez que os militares israelenses investem contra o Líbano. Em maio passado, Israel desocupou uma área fronteiriça com o Líbano, denominada “faixa de segurança”, onde mantinha tropas desde o fim da invasão àquele país, em 1982, operação levada a cabo pelo general Ariel Sharon, então ministro da Defesa.

As investidas contra os sírios no Líbano provocaram violentos protestos da União Européia e da ONU e alimentaram o temor de uma nova guerra na região. A Síria tem hoje 35 mil soldados em território libanês, que entraram em estado de alerta depois da investida israelense. “Israel cometeu um grave erro”, disse o chanceler sírio Farouq Al Shara. “Os israelenses receberão a resposta adequada no momento adequado.” O presidente libanês, Emile Lahoud, completou: “Essas medidas só levarão a um confronto em larga escala.” A ofensiva israelense também teve o condão de reagrupar as forças antiisraelenses no Líbano. O Hezbollah (Partido de Deus, milícia xiita libanesa apoiada pela Síria), que vinha perdendo apoio popular, voltou a ser prestigiado. E a inquietação da população libanesa pela presença militar dos sírios em seu território também arrefeceu.

As negociações de paz com a Síria, congeladas desde o início do ano, agora empacaram de vez. Antes do recrudescimento da crise, o governo sírio exigia, para se sentar à mesa de diálogo, a devolução total das Colinas do Golã, tomadas por Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e anexadas em 1981. O governo de Israel acusa a Síria, que efetivamente controla o enfraquecido Líbano, e o Irã de apoiarem as ações terroristas do Hezbollah. Um dia antes do ataque aéreo de Israel, os milicianos do Hezbollah tinham matado um soldado israelense.

Pressão dos EUA – O governo de Israel justificou a invasão de Gaza como uma resposta a um ataque palestino com morteiros a Sderot, uma pequena cidade próxima a uma fazenda de Sharon. Esse ataque não fez vítimas, mas foi a primeira investida palestina contra uma cidade israelense. No jogo de forças, um sinal dos palestinos de que estão próximos à fronteira de Israel e podem ameaçá-lo. Eleito em fevereiro com a promessa de que daria um fim à crescente rebelião dos palestinos, Sharon avisou que o tabuleiro do jogo iria virar. E já virou. Prova disso foi a declaração do general israelense Yair Naveh de que Israel ficaria em Gaza “dias, meses, o tempo necessário” até que os morteiros dos palestinos cessassem. O militar ainda ameaçou criar uma “zona de segurança” entre Israel e a Faixa de Gaza, semelhante à que existiu no Líbano.

Mas desta vez parece que Sharon foi longe demais. Até os Estados Unidos, aliados incondicionais de Israel, resolveram chiar. Os ataques foram “excessivos e desproporcionais” na definição do secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, que acrescentou que essas ações desrespeitam os acordos de Oslo. “Não há uma solução militar para o conflito”, bradou o general Powell. Para contrabalançar, o secretário de Estado não poupou os palestinos, insistindo que a ANP deveria cumprir os acordos de paz já firmados. “Desproporcional e indiscriminada” também foram os adjetivos usados pela Comissão dos Direitos Humanos da ONU para classificar a ação de Israel.

Em meio ao bombardeio diplomático a Israel, uma figura respeitada internacionalmente pela sua luta pela paz era obrigada a fazer contorcionismos retóricos para justificar os ataques. “Houve um aumento da violência e do terror e nós estamos avisando os palestinos que isso tem um preço. Esta invasão é uma espécie de alerta para que eles parem”, declarou o ministro das Relações Exteriores, Shimon Peres. Expoente do Partido Trabalhista, um dos artífices do acordo de Oslo, o Prêmio Nobel da Paz Peres está hoje alinhado com o ultradireitista Sharon, do Partido Likud, numa demonstração de que o gabinete do premiê, apesar de multipartidário, está tocando a mesma partitura. Tanto que a única discórdia que Peres teve com Sharon foi quanto ao horário do ataque contra a Síria, que aconteceu no dia da visita do chanceler da Jordânia, Abdul Ilah Khatib, o primeiro representante árabe a visitar Israel no governo de Sharon.

Velho falcão – Se o chanceler Peres trocou a plumagem de pomba pela de falcão, o premiê Sharon vem mostrando coerência com seu passado linha-dura, desmentindo analistas apressados que acreditavam que, uma vez no poder, o general se revelaria um estadista capaz de promover a paz, como seu antecessor Menachem Begin (1977-1981). Como lembrou a escritora israelense Nehemia Strasler no jornal Haaretz, a palavra paz nunca fez parte do vocabulário de Sharon. Ele foi contra o tratado de paz com o Egito em 1979, votou contra a retirada das tropas israelenses do Líbano em 1985 e foi contra a participação de Israel na conferência de paz em Madri, em 1991. Como deputado, opôs-se ao acordo de Oslo e absteve-se na votação pela paz com a Jordânia, em 1994. No ano passado, foi contra a total retirada do Exército de Israel do Sul do Líbano. Agora, o guerreiro promete expandir os assentamentos de judeus em Gaza e Cisjordânia. A lógica do Oriente Médio costuma inverter a fórmula do famoso estrategista militar Clausewitz, tornando a política uma continuação da guerra por outros meios.