No final de todas as partidas da Copa do Mundo, os jogadores são obrigados a passar por uma área chamada zona mista, onde os esperam centenas de jornalistas. O ritual é massacrante e revela um pouco da personalidade de cada um. Autor de um gol contra no jogo em que o Brasil venceu a Croácia por 3 a 1, o lateral Marcelo está uma fera. “Cara, não parece que você viu o jogo. Se tivesse visto, não ia perguntar se eu fiquei abalado”, diz, marrento, para o radialista. O zagueiro Thiago Silva fala baixinho e parece ser tímido demais para um capitão. Neymar cumpre o papel de estrela e repete o discurso do técnico Luiz Felipe Scolari, que consiste em frases sobre a alegria de defender o Brasil, a união do grupo, o apoio da torcida. Eles estão contrariados e falam apressadamente para acabar logo com o tormento. Todos, menos David Luiz. Último a aparecer na zona mista, David é a felicidade em pessoa. Sorriso imenso, olhos arregalados que encaram o interlocutor, gestos amplos e incessantes, o zagueiro diz coisas incríveis. Perguntam sobre o que sentiu ao entrar em campo para a estreia do Brasil na Copa. A resposta: “A adrenalina exala e transborda”. Sobre os xingamentos dirigidos à presidenta Dilma Rousseff: “É feio xingar os outros”. Sobre a vantagem de disputar uma Copa no Brasil: “Não tem lugar melhor no mundo pra jantar do que na nossa própria casa”. Sobre idolatria: “Não quero ser exemplo apenas como jogador, mas como cidadão do bem”.

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ÍDOLO
"Não quero ser exemplo apenas como jogador,
mas como cidadão do bem"

A personalidade cativante e as declarações ao mesmo tempo sensatas e surpreendentes transformaram David Luiz no símbolo máximo da seleção, a própria alma do time. À exceção de Neymar, a referência de talento do Brasil, nenhum jogador se comunica de forma tão direta com os torcedores quanto o zagueiro. Durante a partida contra a Croácia, David chamou o público pelo menos três vezes, pedindo para as pessoas gritarem mais. O carisma do jogador foi confirmado por uma pesquisa realizada há alguns dias pelo Ibope Repucom. Segundo o levantamento, ele está atrás apenas de Neymar no ranking de integrantes da Seleção com maior influência sobre o torcedor. Coordenador técnico do Brasil, Carlos Alberto Parreira define o efeito que David causa nos outros. “Ele é aquele tipo de pessoa que você gosta de imediato, que simpatiza logo de cara”, diz Parreira. Profissionais que se aproximam dele percebem a força magnética do zagueiro. “Ele é visto como a mesma pessoa dentro e fora de campo”, diz Ana Krainer, gerente de marketing da Pepsi, empresa que contratou o jogador para estrelar campanhas publicitárias (leia quadro). Na quinta-feira 12, depois do jogo do Brasil, a reportagem perguntou a ele sobre as razões que o fizeram cair nas graças na torcida. “Acho que é o meu cabelo”, respondeu. É brincadeira, mas nem tanto. As madeixas encaracoladas enfeitiçaram as crianças e no jogo da Seleção no Itaquerão deu para ver garotas e moleques com a peruca igual ao cabelo de David Luiz.

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IMAGEM
Garoto com peruca igual à juba do jogador: ele conquistou a criançada

Mas ele não é apenas uma figura exótica, que diz coisas bacanas e de quem todo mundo gosta. Num time de jovens e sem muitas estrelas, acabou se tornando uma liderança efetiva. Não foi do capitão Thiago Silva a ideia de os jogadores entrarem em campo, na partida contra a Croácia, com as mãos nos ombros uns dos outros. Foi de David Luiz, e prontamente acatada por todos. Nas preleções e nas conversas internas, ele é quem mais fala, ao lado do próprio Thiago Silva e do atacante Fred. “O David é um cara muito positivo, que coloca todo mundo para cima”, diz o meio-campista Luiz Gustavo. Ex-presidente da Tecnisa, uma das maiores incorporadas do Brasil, e atualmente palestrante motivacional, Carlos Alberto Júlio relata uma passagem que revela o jeito David Luiz de ser. Na segunda-feira 9, depois de fazer uma palestra aos jogadores, Júlio pediu para eles autografarem camisas da Seleção. “Depois dos autógrafos, o David Luiz começou a dobrar as camisetas e a colocar de volta nos pacotes”, diz Júlio. “Ele também ia mandando cada um dos jogadores levantar e bater uma foto comigo.” Detalhe: o próprio David fazia os retratos, com o celular do palestrante. “O estilo dele é assim, o que serve. No mercado isso é conhecido como liderança servidora.”

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Desde muito cedo David Luiz sempre foi onipresente, o tipo de pessoa que jamais passa incógnita onde quer que seja. Quem vê as fotografias que o zagueiro publica na internet – fazendo caretas e exibindo sua vasta cabeleira – não se surpreende que tenha sido uma criança espevitada. Na escola, os pais cansaram de ser informados sobre o comportamento inadequado do filho. “Uma vez fui chamada na sala da diretoria e, na saída, o David ainda esbarrou e quebrou um vaso que sujou o chão inteiro de terra”, diz a mãe, Regina Marinho. David cresceu numa família de classe média de Diadema, na Grande São Paulo. Como os pais precisavam trabalhar, acostumou-se a ficar sozinho em casa. Proibido de sair, dava um jeito de fugir para jogar bola na rua. David escalava um cano que passava ao lado da janela do segundo andar do prédio onde morava e a estratégia só foi descoberta porque a cal que estava no cano sujou a camiseta dele.

Bom de bola sempre foi, mas a carreira também deve ser atribuída à persistência do pai. “Fiz um investimento nele”, afirma Ladislau Marinho. “Comprei bola, chuteira, o que deixava a irmã com ciúme. Havia uma discrepância mesmo.” David começou nas categorias de base do São Paulo, mas aos 14 anos foi dispensado sob a justificativa de ser “pequeno demais”. “Foi um baque muito grande, o David queria ficar lá”, diz Ladislau. Mudou para o Vitória da Bahia, amargou durante um bom tempo o banco de reservas até se firmar como titular. Depois, a ascensão foi fulminante, até culminar no sucesso na Europa. Em maio, foi comprado pelo Paris Saint-Germain por R$ 185 milhões, na maior transação da história do futebol envolvendo um zagueiro.

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Aos 27 anos, David é, sem dúvida, um dos melhores zagueiros do mundo. Experts nessa posição são só elogios. “Ele tem bom desarme, boa antecipação e bom passe”, diz Oscar Bernardi, zagueiro titular da lendária seleção da Copa de 1982. “O David alia força e técnica”, afirma Ricardo Rocha, que disputou a Copa de 1994. Na estreia do Brasil contra a Croácia, formou, ao lado de Oscar e Neymar, o trio que desequilibrou a partida a favor do Brasil. Segundo as estatísticas oficiais, nesse jogo ninguém desarmou mais do que ele, que perdeu apenas um lance para os atacantes adversários, algo raríssimo para um marcador. Chamá-lo de craque é obviamente um exagero (craque mesmo o Brasil só tem um, o imprevisível Neymar), mas David Luiz é o retrato acabado do que busca Felipão: liderança, seriedade, eficiência, altivez, dignidade com a camisa da Seleção. E tudo isso com um estilo próprio – a inteligência nas declarações, o carisma a toda prova, a juba que tanto agrada às crianças. É impossível cravar como será o futuro da Seleção nesta Copa, mas uma coisa parece certa: David Luiz é a alma que faltava ao time de Felipão.

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Fotos: ANDRÉ MOURÃO/AG. O DIA/ESTADÃO CONTEÚDO; Fernando Nunes/Futura Press, Kelsen Fernandes; GLYN KIRK/AFP PHOTO  


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