Muito antes do pontapé inicial na Arena São Paulo, no jogo de estreia entre Brasil e Croácia na quinta-feira 12, a Copa já havia começado País afora. A chegada das equipes estrangeiras agitou as cidades escolhidas como QG durante o Mundial. Fanáticos por futebol, os brasileiros abraçaram os rivais da Seleção de Felipão de tal forma que os gringos não tiveram defesa. O exemplo mais emblemático aconteceu na Bahia, no município de Santa Cruz Cabrália, próximo a Porto Seguro. Ali, na segunda-feira 9, cerca de 20 índios pataxós fizeram os sisudos alemães dançarem, literalmente, após o treino. Convidada a entrar no campo, a tribo fez uma apresentação de canto e dança e empolgou os atletas, que entraram na brincadeira. O atacante Miroslav Klose, que completava 36 anos, foi chamado ao meio da roda e homenageado pela data. “Ficamos impressionados com a alegria e o comprometimento do povo baiano. A dança com os índios foi o símbolo dos nossos jogadores tentando abraçar a cultura brasileira”, disse o ex-atleta Oliver Bierhoff, hoje diretor da federação alemã.

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Alemães e índios pataxós protagonizaram uma ­confraternização
em Santa Cruz ­Cabrália, na Bahia, onde a equipe se prepara para o Mundial

No Rio de Janeiro, foram os holandeses que baixaram a guarda para os fãs brasileiros. Na praia de Ipanema, os atletas podiam, facilmente, ser confundidos com turistas, não fossem os uniformes que os diferenciavam. Sob o céu azul e entre banhistas, eles jogaram frescobol, fizeram roda de altinha (controlar a bola sem deixá-la tocar o chão) e tomaram alguns caldos no mar. “Os brasileiros estão nos recebendo muito bem”, disse o volante De Guzmán, que visitou o Cristo Redentor. Não é de hoje que a arte de receber é uma marca do povo brasileiro. Essa tendência de reverenciar quem vem de fora tem origem na colonização. “Somos um povo que se acostumou a olhar para o estrangeiro como superior. Esse olhar do colonizado estimula o bem receber”, explica o sociólogo Maurício Murad, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e do mestrado da Universidade Salgado de Oliveira (Universo).

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GRATIDÃO
Depois de visitar o Cristo Redentor e a favela da Rocinha,
ingleses agradecem ao povo a recepção

Em regiões como o Nordeste e cidades como o Rio de Janeiro, as pessoas demonstram ser mais extrovertidas. A música, a dança e belezas naturais como lindas praias favorecem um comportamento mais descontraído e hospitaleiro. Na capital fluminense, a seleção da Inglaterra, após um treino na segunda-feira 9, no Forte da Urca, estendeu uma faixa com os dizeres: “Obrigado Brasil pela recepção calorosa”. Nesse mesmo dia, jogadores haviam visitado a Vila Olímpica da favela da Rocinha e alguns deles, como Danny Welbeck, jogaram capoeira com os moradores locais e se arriscaram na coreografia do “Lepo, Lepo”, canção do grupo baiano Psirico que virou febre também entre os craques.

Embora seja uma competição esportiva, a Copa do Mundo é uma festa integrada a uma paixão coletiva que é o futebol. No Brasil, há uma carnavalização natural do evento e isso explica um pouco por que os jogadores mais se parecem com turistas de férias em muitas ocasiões. “Da mesma forma que os brasileiros se empolgam para ir à Disney, os jogadores querem ter contato com o nosso folclore, a nossa diversidade cultural e espírito de diversão. Faz parte do jogo”, diz o antropólogo Antonio Flávio Testa, da Universidade de Brasília (UnB). Essa troca de códigos, signos e valores entre os brasileiros e a legião estrangeira do mundo do futebol é saudável, mas tem seu limite, para o sociólogo Murad. “Vi alemães mexendo com garotas na orla carioca e, sem moralismo, abusavam da ousadia”, conta. “A hospitalidade é boa, mas não deve cair na subalternidade de quem recebe nem na superioridade de quem chega. Muitos desembarcam aqui olhando de cima para baixo.”

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DIVERSÃO
Jogadores holandeses viram turistas na praia de Ipanema:
frescobol, caldo no mar e bate-bola na areia

Não foi o que aconteceu com a delegação portuguesa. Nossos principais colonizadores, que treinaram em Campinas (SP) na presença de seis mil torcedores no estádio Moisés Lucarelli, da Ponte Preta, na quinta-feira 12, abraçaram os brasileiros. Maior de todos dentro de campo atualmente, o atacante Cristiano Ronaldo distribuiu sorrisos e autógrafos a quem pôde. E comemorou: “Que recepção maravilhosa e calorosa que nós estamos tendo em Campinas”, disse, em seu Twitter, o melhor jogador do mundo.

A festa foi de norte a sul. Em Viamão, na região metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, cerca de dez mil gaúchos lotaram a praça da Matriz para recepcionar a seleção equatoriana que escolheu a cidade para se preparar. Foi um show à parte. De terno azul e gravata, os 23 jogadores e o treinador da equipe subiram em um palco e foram saudados pelo público, que chegou ao delírio quando os equatorianos empunharam e tremularam a bandeira do Rio Grande do Sul. Craque do time, Antonio Valencia, que atua no inglês Manchester United, recebeu a chave da cidade das mãos do prefeito. Ele e seus companheiros foram, ainda, abençoados por um padre da cidade. No quesito hospitalidade, o Brasil já é campeão.

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Fotos: MARKUS GILLIAR/AFP PHOTO/POOL; Marcelo Carnaval/Ag. O Globo, Pablo Jacob, Pedro Kirilos – Ag. O Globo; PIERRE-PHILIPPE MARCOU/AFP PHOTO; GUSTAVO OLIVEIRA/FUTURA PRESS; Eduardo Verdugo/AP Photo; MARCOS ARCOVERDE/ESTADÃO CONTEÚDO; FRANCISCO PARAISO/AFP PHOTO/HO/FPF 


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