Há oito anos, duas rebeliões lideradas pelos tenentes-coronéis do Exército venezuelano Hugo Chávez, Francisco Arias Cárdenas, Jesús Urdaneta Hernández e Joel Acosta Chirinos tentaram derrubar o então presidente Carlos Andrés Pérez, acusado de corrupção e de impor um duríssimo ajuste neoliberal ao país. As quarteladas, em fevereiro e novembro de 1992, foram sufocadas e os líderes militares presos. Depois de passarem dois anos na cadeia, os coronéis fundaram o Movimento V República e, com um discurso populista, conquistaram o poder através das urnas, com a eleição de Hugo Chávez à Presidência em dezembro de 1998. Em pouco mais de um ano, Chávez virou as instituições do país de ponta-cabeça, reduziu a pó os partidos políticos tradicionais e passou a controlar o Legislativo e o Judiciário com a convocação de uma Assembléia Constituinte na qual seus partidários conquistaram mais de 90% das cadeiras. Mas agora, com as eleições gerais convocadas para 28 de maio para referendar a revolução política de Chávez, aqueles seus ex-camaradas de caserna se passaram de armas e bagagens para o outro lado das barricadas. Francisco Arias Cárdenas, 49 anos, tornou-se o candidato antichavista à Presidência, apoiado também por alguns dos antigos companheiros de viagem do atual mandatário. Mais surpreendente, o candidato dissidente tem chances de ocupar a cadeira presidencial. Todas as pesquisas ainda dão vitória a Chávez, mas a distância entre os dois candidatos vem diminuindo e agora está em apenas quatro pontos porcentuais. No mínimo, Arias Cárdenas se credenciará como o líder da oposição. Para o presidente, que há menos de um mês tinha o apoio de 70% dos venezuelanos, o racha em suas fileiras foi como um raio num dia de sol.

A dissidência aparentemente se explicitou em janeiro, quando o coronel Jesús Urdaneta renunciou à chefia do Disip, a polícia política da nova república, acusando o assessor presidencial Luis Miquilena – tido como a eminência parda de Chávez – de favorecer empresários em contratos públicos. Urdaneta entregou à Procuradoria da República mais de 40 denúncias de falcatruas e acusou Chávez de conivência “com as práticas combatidas pelo levantamento de 1992”. Mas a denúncia só veio a público meses depois de o atual candidato Arias Cárdenas, então governador do Estado de Zulia, ter sua pretensão de ser ministro da Defesa rejeitada pelo mesmo Miquilena. Num clima de agravamento da crise social, as denúncias acabaram arranhando a até então formidável popularidade do presidente.

Para os tradicionais partidos políticos venezuelanos – a Ação Democrática (AD, social-democrata) e o Copei (democrata-cristão) –, o aparecimento da candidatura Arias Cárdenas representou uma tábua de salvação. A dissidência antichavista, aliás, foi engrossada com a adesão do ex-guerrilheiro Teodoro Petkoff, que foi ministro do governo Rafael Caldera (1994-1998). “Essa candidatura unificará o lixo do antigo sistema”, desdenhou Miquilena, octogenário e veterano militante comunista. Pode ser. Mas os próprios aliados do presidente começam a mostrar preocupação. “Chávez superestimou suas forças. Ele está se isolando e ficando sozinho”, pontificou Aristóbulo Isturiz, líder do Pátria Para Todos (PPT), movimento que integrava a coalizão governista Pólo Patriótico e se afastou por divergências na divisão de candidaturas nas eleições gerais.