Embora o avião tenha sido inventado por um brasileiro, intelectuais e historiadores normalmente consideram a aeronáutica um “assunto técnico”, que não faz parte da bagagem histórica e cultural do nosso povo. Assim, o único grande museu do tipo no País, o Museu Aeroespacial (Musal), no Rio de Janeiro, é mantido pela Força Aérea Brasileira (FAB), com constante carência de fundos, pois a iniciativa privada ainda não “descobriu” a aviação como objeto de patrocínios e projetos culturais. No contexto mundial, essa nossa realidade é triste, pois, enquanto o Musal luta para sobreviver, um país como a Itália possui mais de 30 museus e coleções aeronáuticas, ao passo que no Japão, passam de 70. Já a Grã-Bretanha tem mais de 120, enquanto os EUA possuem mais de 700. São parâmetros para envergonhar a terra natal do inventor do avião, Alberto Santos Dumont, que hoje possui a quarta fabricante mundial de aeronaves, a Embraer.

Esse quadro, porém, está prestes a mudar graças ao lançamento daquele que será o primeiro grande museu aeronáutico do País aberto ao público, mantido pela iniciativa privada. É o Museu Asas de um Sonho, um projeto da Eductam, fundação ligada à companhia aérea TAM, que deverá abrir as suas portas ao público num prazo de dois anos. O seu conceito surgiu em 1994, quando o comandante Rolim Adolfo Amaro, presidente da TAM, e seu irmão, João Francisco Amaro, ao fazerem o restauro completo de um Cessna 195 que haviam adquirido para uso pessoal, tiveram a idéia de criar um museu, que teria uma característica única não só no Brasil, mas em toda a América Latina – a maioria de suas aeronaves seria restaurada para ter condições de vôo, de modo que os visitantes pudessem ver muitos dos aviões raros voando “como em seus tempos de glória”. Assim, o museu será comparável a instituições renomadas como o Imperial War Museum in Duxford (Inglaterra) ou o americano Confederate Air Force Museum, dois dos principais museus “voadores” do mundo.

Embora o local definitivo do museu ainda não tenha sido escolhido, o coordenador do projeto, o próprio João Francisco Amaro, comenta que uma das exigências é o acesso fácil à capital paulistana, pois não pode ser “nada tão longe de São Paulo que não possa ser um programa familiar para uma tarde de domingo”. O museu terá uma programação voltada para crianças e jovens, além de contar com terminais informativos multimídia e outros equipamentos à disposição dos visitantes. O projeto do edifício principal do museu já está pronto e prevê uma construção no formato do próprio 14-Bis, com a “cauda” sendo o hall de entrada, formando um conjunto de seis hangares, num total de cerca de 7.200m2. Alguns aviões maiores ficarão em áreas externas especiais, e o museu terá duas pistas de pouso – uma normal, que poderá receber até jatos, e uma de grama – “como nos velhos tempos”. Hoje, as aeronaves estão sendo recuperadas numa oficina no aeroporto de Jundiaí (SP), por um equipe de seis especialistas de alto nível. Até o momento, já foram investidos cerca de US$ 3 milhões no projeto, incluindo os custos da restauração das aeronaves já adquiridas.

Hoje, o acervo do museu já passa de 40 aeronaves, possuindo algumas genuínas preciosidades, como o avião polonês RWD-13, que é um dos dois únicos exemplares desse modelo existentes no mundo (o outro está num museu em Cracóvia, Polônia) e o único deles que está voando. Um outro “tesouro” é um avião de passeio americano Curtiss Robin C-2, o mais antigo avião voando no Brasil, fabricado em 1928. Além desses, existem outras aeronaves históricas, como um biplano alemão Focke-Wulf Fw-44J Stieglitz de 1943, o modelo que foi usado pela Luftwaffe. Mas uma aquisição valiosíssima aconteceu em 29 de novembro de 1999, quando foi recebido um caça naval americano Chance-Vought F4U-1 Corsair, considerado por muitos como o melhor caça com motor a pistão já fabricado e se tornou célebre nas batalhas finais contra os japoneses no Pacífico, na Segunda Guerra Mundial. O Corsair “brasileiro” não ficará “solitário” por muito tempo.

Em 12 de janeiro, o diretor mundial da Rolls-Royce, John Rose, veio a São Paulo para se encontrar com o comandante Rolim Amaro, oficializando a doação para o museu de um caça Supermarine Spitfire, um dos aviões mais lendários da Segunda Guerra Mundial. Este exemplar do Spitfire, na versão HF.IXE, foi construído em 1943 e está em perfeitas condições de vôo, tendo sido pintado nas cores do maior ás britânico da Segunda Guerra, Johnny Johnson, que teve 38 vitórias em combate. Preservado hoje no Museum of Flight, em Santa Mônica (Califórnia), o avião deverá chegar ao Brasil neste mês, vindo de navio. Há três semanas, foi dado um passo ambicioso, com o desembarque, em Santos, do caça supersônico Mikoyan MiG-21M, que pertenceu à Força Aérea da Polônia. Peça raríssima, existente em poucos museus do mundo e um clássico da Guerra Fria, o MiG-21 não foi uma doação, mas foi comprado por decisão do próprio Rolim, com a negociação só tendo sido possível graças à intermediação de uma empresa especializada européia, a Skyhawk, em parceria com um especialista brasileiro em aviação russa.

Além do Museu Asas de um Sonho, porém, outro projeto busca recuperar uma das aeronaves mais importantes de toda a história da aviação no País. Trata-se do Jahú, o hidroavião Savoia-Marchetti S.55 com o qual o aviador paulista João Ribeiro de Barros e sua tripulação cruzaram o oceano Atlântico em 1927, cerca de um mês antes do tão propagandeado vôo do americano Charles A. Lindbergh, que fez a travessia dos Estados Unidos para a França.

Por seu lado, mesmo com todas as dificuldades, o Musal possui hoje um acervo que, sem dúvida, tem expressão mundial. São 71 aeronaves, incluindo raridades como um biplano francês Caudron G.3 (tipo usado na Primeira Guerra Mundial), e alguns “tesouros”, como o bombardeiro bimotor alemão Focke-Wulf Fw-58 Weihe, do início dos anos 30. Construído quase todo em madeira e tela, ele é o único exemplar do modelo recuperado em todo o mundo, e o seu trabalho de restauro levou 19 anos. Na verdade, com mais de 90 anos ligados à história aeronáutica mundial, o Brasil só ganhou o seu museu oficial em 31 de julho de 1973, com a criação do próprio Musal. Apesar de tudo isso, entretanto, a média mensal do museu é de 7 mil visitantes, o que é pouco. O Museu da Usaf (força aérea americana), só para se comparar, recebe mais de 125 mil visitantes por mês.