Depois de utilizar incontáveis substâncias naturais da fauna e da flora terrestres na fabricação de medicamentos, os cientistas agora voltam os seus microscópios também para o mar. Eles descobriram que os oceanos são um banco de recursos rico e promissor, em especial para remédios contra o câncer. Os pesquisadores estão encontrando nas águas oceânicas organismos – algas, por exemplo – fornecedores de substâncias que podem ajudar a combater a doença. A mais recente prova da força dessa maré está este mês na conceituada revista inglesa The Lancet Oncology. Um dos principais assuntos da edição são os organismos marinhos em estudo no Brasil e no Exterior. “O mar é uma nova fonte de remédios”, diz Gilberto Schwartsmann, autor do artigo e presidente da Fundação para o Desenvolvimento de Novas Drogas Anticâncer, de Porto Alegre.

O médico Schwartsmann é um dos principais especialistas mundiais nessa área. Desde 1988, ele se dedica a esses estudos. Sua mais nova pesquisa detectou substâncias em algas e esponjas da costa brasileira, principalmente da região de Santa Catarina e do Rio de Janeiro, que, em laboratório, impediram o crescimento de tumores. A descoberta, citada no artigo, está sendo investigada por Schwartsmann. Os cientistas acreditam que uma característica dos compostos marítimos é o fato de serem muito potentes. Eles argumentam que só sobreviveram no mar os organismos que driblaram a ação dos predadores e as catástrofes da evolução natural do planeta. Ou seja, aqueles constituídos por substâncias poderosas.

Já faz tempo que os cientistas desconfiavam do potencial marinho, mas as dificuldades existentes até anos atrás para explorar o mar retardou as pesquisas. Um dos principais obstáculos era a falta de equipamentos. Aos poucos, os problemas foram superados. Hoje, estudos sobre a eficácia de drogas obtidas a partir de organismos do oceano já estão sendo feitos com seres humanos, principalmente no Exterior.

Um deles é conduzido no hospital Memorial Sloan-Kettering, de Nova York. O nome da droga analisada é briostatina 1, extraída de um briozoário (animal minúsculo incrustrado em rochas) encontrado no Golfo da Califórnia. Os cientistas constataram que a substância está ajudando a destruir o linfoma – câncer que atinge os gânglios linfáticos, integrantes do sistema de defesa do corpo.

Remédio – Outro componente para combater o linfoma, investigado em centros americanos e europeus, é a dolastatina-10, derivada de um molusco do Oceano Índico. Pelo menos 200 pacientes estão envolvidos nas pesquisas. Observou-se que a dolastatina-10 também tem ação sobre o linfoma. Quem sofre de carcinoma medular da tireóide – câncer específico dessa glândula – também poderá se beneficiar dos recursos marinhos. Canadenses e americanos conduzem estudos para verificar a eficácia do remédio aplidina, proveniente de um tipo de tunicado (vertebrado) do Mar Mediterrâneo.

Outro tipo de tunicado, encontrado no Caribe, deu origem à droga ET-743. O remédio, em desenvolvimento pelo laboratório espanhol Pharmar, está apresentando bons resultados em doentes com sarcoma, tumor que atinge músculos e ossos, entre outros tecidos. “É uma alternativa interessante, já que existem poucos tratamentos para o problema”, opina o oncologista Antônio Buzaid, do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo. A assistente social gaúcha Elizabeth Milach, 53 anos, sabe disso. Há quatro anos, foi diagnosticado um sarcoma no seu corpo. Ela passou por vários tratamentos, inclusive cirurgia para extirpar o tumor. Mas os resultados não foram satisfatórios.

Em janeiro, ela começou a receber doses do ET-743. O remédio, que ainda não está em teste no Brasil, foi obtido com a ajuda de Schwartsmann. “É uma nova esperança”, acredita Elizabeth. “O medicamento diminuiu as dores no corpo da paciente”, comenta o especialista. Experiências como essa aumentam as esperanças de que os remédios vindos do mar poderão ser uma nova arma contra o câncer. O pesquisador Raul Maranhão, da Universidade de São Paulo, apóia esse tipo de pesquisa. “Quando se luta contra essa doença, qualquer tentativa de tratamento é válida”, acredita.