A bombástica notícia de que o casal 20 da política brasileira decidiu pôr fim a um casamento de 36 anos fez o PT perder o eixo. A separação de Marta e Eduardo Suplicy transcendeu, e muito, a esfera dos assuntos pessoais. O abalo se fez sentir no coração do partido, provocando rachaduras na imagem do PT diante da sociedade e fissuras nas relações do senador com a cúpula petista, que já andavam muito estremecidas. O roteiro do rompimento entre a prefeita de São Paulo e o senador confunde-se com seu desgaste junto ao PT. Tudo começou quando anunciou, há dois anos, que pretendia disputar no partido a indicação da candidatura presidencial de 2002. O epicentro do tremor provocado pela separação foi a quarta candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, que vem sendo costurada nos bastidores do partido. Até a semana passada, os cardeais petistas ainda alimentavam a esperança de demover o obstinado senador da idéia de disputar a prévia, a primeira na história do PT.

O temor dos petistas não era de que Suplicy ganhasse o embate dentro do PT, mas que conquistasse o apoio da mídia e o coração do público externo, enfraquecendo a candidatura de Lula. A repercussão nacional do fim da união de um dos casais mais famosos do Brasil acabou projetando para o País o sonho do senador, que saiu do episódio como vítima e mais candidato do que nunca. A partir deste fim de semana, ele continuará suas viagens pelos Estados como, de fato, pré-candidato do PT a presidente da República. Sua decisão foi respaldada por centenas de mensagens eletrônicas de apoio, intensificadas a partir de segunda-feira 16, quando o casal anunciou que não dividiria mais o mesmo teto na sofisticada mansão da rua Grécia, no Jardim Paulistano. Na verdade, o tinhoso senador havia iniciado uma enquete eletrônica 11 dias antes de decidir mudar-se para a casa de sua mãe, Filomena Matarazzo Suplicy, de 92 anos, no domingo 15.

“Há duas semanas, cheguei a pensar em escrever uma carta abrindo mão da pré-candidatura. Sou sensível às palavras de meus companheiros, que apelaram para que eu desistisse. Depois de consultar várias pessoas amigas, como a Rose Marie Muraro (feminista) e a Tetê Vasconcelos (irmã de Marta), me convenci a manter meu nome”, contou Suplicy a ISTOÉ na quarta-feira 18. Ainda muito abatido, o senador disse que Marta apoiava o seu direito de postular a candidatura a presidente. “A Marta se manteve isenta no processo”, comentou, evitando falar dos motivos de sua separação. No entanto, a versão do Palácio das Indústrias é outra. Em maio do ano passado, em plena eleição para a Prefeitura de São Paulo, o senador surpreendeu o quartel-general de Marta anunciando que botaria na rua sua campanha para as prévias que escolheriam o candidato do PT à Presidência. Foi demovido da idéia, que poderia cair como uma bomba na candidatura da petista. Desde então, Suplicy não deu trégua à mulher. Passadas as eleições, insistia em ter seu apoio, apesar dos argumentos da prefeita de que isso poderia prejudicar a sua administração, dividindo o partido. O momento conjugal mais tenso ocorreu quando o senador, obstinado, resolveu que colaria sua agenda à da prefeita. Deprimida após a separação, ela comentou com amigos que o marido passou dos limites. O senador não se conformava com a severa imposição de limites estabelecidos por Marta: “Não posso e não vou deixar você fazer isso. Vão nos acusar de usar a máquina pública para alavancar a sua candidatura”, advertiu Marta.

Na segunda-feira 16, Suplicy conversou com Lula, no Instituto Cidadania, ONG do presidente de honra do PT. “Contei a ele como estava o levantamento que eu estava fazendo e disse que, se eles encontrassem outro meio que considerassem mais legítimo para aferir a opinião dos 700 mil filiados do PT, eu me submeteria à vontade da maioria. Mas eu percebi que ele preferia que eu encerrasse logo a enquete”, disse. Nas últimas semanas, Suplicy e o filho Supla azedaram de vez o clima dentro de casa e no partido. Em entrevista ao site de notícias NO, na semana passada, Supla criticou duramente Lula, afirmando que ele não quer a prévia para não se desgastar. Ele também mostrou que a relação dos pais não estava nada boa. “Se não fosse meu pai, minha mãe não seria a prefeita de São Paulo. Não seria nem política. Minha mãe seria burguesinha”, disse. Os filhos mais novos, André e João, em outra entrevista, publicada no jornal O Estado de S. Paulo, também apoiaram a pré-candidatura do pai. A prefeita sentiu o golpe. Para Marta, Suplicy teria posto os filhos contra ela.

Irritação – Para completar, Suplicy declarou publicamente seu apoio à CPI do lixo, na Câmara Municipal, num momento em que ainda não havia consenso na bancada petista sobre o assunto. No dia em que a separação foi anunciada – através de um lacônico comunicado de três linhas –, o primeiro compromisso da prefeita foi uma reunião, pela manhã, com vereadores e dirigentes do partido, para tratar do tema. O presidente nacional do PT, deputado José Dirceu, não conteve a irritação e acusou o senador de não ter sido solidário com Marta. Falou ao entrar para a tensa reunião, na qual a prefeita, muito abatida, avisou aos companheiros que a sua separação era um assunto pessoal e deveria ser tratado por todos como tal. Suplicy cobrou imparcialidade de Dirceu. Na terça-feira 17, à noite, chamou o deputado para uma conversa. “Ele me pediu desculpas e explicou que deu declarações a meu respeito sem saber da separação. E disse que estava recebendo mensagens de críticas à postura da direção nacional do PT”, contou o senador.

Um dos motivos que já minavam a relação do casal eram as frequentes intromissões do senador na administração municipal. Num momento de irritação, Marta chegou a dizer para o marido: “A prefeita sou eu, e não você.” A psicóloga Marta, que entrou na política pelas mãos do marido, acabou conquistando vitórias que o senador nunca conseguiu. Nas duas vezes em que tentou chegar ao Executivo, perdeu: em 1985, quando tentou ganhar o cargo que Marta ocupa hoje, e, em 1989, na eleição para o governo do Estado. Em 1995, Marta estreou na política como deputada federal. Em 1998, por pouco não conseguiu passar para o segundo turno na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes. Havia conquistado um recorde, ao atrair 3,8 milhões de votos no Estado. Nunca um petista, nem mesmo seu marido, conseguiu esse resultado na disputa do governo de São Paulo. Movida pelo ciúme político e ainda apimentada por ciúme pessoal, a disputa começou a crescer entre o casal. “Quando eu entrei na política, complicou um pouco. Foi o primeiro susto porque era uma coisa muito nova para ele”, comentou Marta, em 1999, em entrevista a ISTOÉ.

Rasputin – Transparente, Suplicy não escondia de ninguém que sentia ciúme de um colaborador próximo de Marta desde a campanha eleitoral: o argentino naturalizado francês Luís Favre, nome de guerra de Felipe Warmus. Para Suplicy, Favre era “um agente” da candidatura Lula e com grande capacidade de influenciar Marta a não apoiá-lo em sua empreitada. Segundo um assessor da prefeita, o senador achava que o argentino “fazia a cabeça dela” para demovê-lo da idéia de ser candidato. Ele via Favre como uma pessoa de Lula trabalhando contra ele. Exilado na França nos anos 70, Favre entrou para uma das facções da IV Internacional, organização revolucionária fundada por Leon Trotsky em 1938. Nos últimos meses, transformou-se em eminência parda da gestão de Marta. Os petistas chegaram a apelidá-lo de Rasputin do Palácio das Indústrias. Era uma referência ao monge siberiano Gregory Efimovich Rasputin, que exerceu forte influência na última família imperial russa.

Vaidoso, Favre sempre fez questão de exibir em público sua ascendência sobre Marta. Ele tentava demonstrar ser mais íntimo do que realmente era. Favre conheceu Marta em Paris, logo após a morte inesperada da irmã mais jovem da atual prefeita. A partir daí, foi ocupando espaços e incomodando muitos na campanha e, mais tarde, na prefeitura. De Paris, ele enviava análises por e-mail. A prefeita gostava das suas observações e pensou ter encontrado alguém que pudesse orientá-la e fechasse um buraco que existia no staff da campanha. Mas seu estilo invasivo e arrogante acirrou ânimos, suscitando ciúme não apenas no senador Suplicy, mas em boa parte dos colaboradores de Marta. Lula, que já teve Favre como assessor, chegou a estudar a contratação do argentino para que ele atuasse formalmente junto à Secretaria de Relações Internacionais do partido. Um dos empecilhos para trazê-lo ao Brasil teria sido o salário. Segundo lideranças, teria pedido US$ 12 mil para deixar sua empresa na França. Ele hoje é o responsável pela articulação do PT com o Partido Socialista do primeiro ministro francês Lionel Jospin. Durante a recente visita de Jospin ao Brasil, Favre pôde demonstrar toda a sua influência durante o almoço oferecido por Marta ao primeiro-ministro. Mas o estilo eminência parda e o gosto pela sofisticação, considerado ostensivo por muitos petistas, acabaram estragando seus planos. Vinte dias antes da separação, Marta acalmou o partido, comunicando que Favre estava voltando para a França, onde continuará prestando assessoria voluntária para o PT.