Vários músicos da banda de rock Titãs já revelaram seus talentos individuais fora da área musical. O mais recente deles é o guitarrista Marcelo Fromer, que tem se mostrado um aguçado crítico gastronômico em textos tão saborosos quanto as iguarias que costuma descrever. Com o também guitarrista Tony Bellotto não foi diferente. Seus dois romances policiais Bellini e a esfinge (1995) e Bellini e o demônio (1997) jogam o leitor em situações elétricas, escritas para ser saboreadas como um bom prato, do princípio ao fim. O estilo pop de Bellotto, que mistura referências musicais e um jeito paulistano de viver, combina agilidade e habilidade para contar histórias nas quais é impossível ficar distraído ou imune à curiosidade de se querer logo saber o desfecho, sem, no entanto, perder a vontade de alongar a leitura e transformá-la acima de tudo em prazer. Em seu terceiro livro, BR 163 (Companhia das Letras, 212 págs., R$ 25), Bellotto não conseguiu alcançar a excelência de seus dois primeiros trabalhos, mas ainda assim teceu uma dupla de enredos cujos personagens se entrelaçam de maneira interessante. Em ambos os casos, a estrada é o cenário principal.

Na primeira história, A menina tatuada, Bellotto se sai infinitamente melhor. Talvez por ser um conto mais curto, os diálogos tocam apenas no necessário, as descrições são precisas, embora minimalistas, e o jeito de armar a ação traduz o verdadeiro talento do autor. Lavínia é uma policial que cresceu num orfanato de freiras. Passou a vida querendo conhecer os verdadeiros pais. Em situações paralelas, o autor entremeia a determinação de Lavínia e toda sua canseira, provocada pela busca da verdade, com uma missão para prender famoso contrabandista de uísque paraguaio. Tendo a surpresa como aliada e fôlego suficiente para manter a esperteza cool dos personagens, Bellotto traçou uma história redonda e prazerosa. Em Oeste, Selene, ele não repetiu a mesma eletricidade. Perdeu tempo com diálogos ralos, espichando a trama sobre a prostituta que vai a Presidente Venceslau, interior paulista, para ajudar o pai a sair da cadeia. Em compensação, a sutileza do humor, as referências e a forma de ligação com o primeiro conto redimem Tony Bellotto, que continua sendo um dos melhores da nova geração de ficcionistas.