Foi com as ruas apinhadas de manifestantes tremulando bandeiras republicanas – com uma faixa roxa em meio às cores vermelha e amarela – em Madri, Barcelona, Sevilha e outras cidades que a Espanha recebeu, na segunda-feira 2, a notícia da chegada de um novo rei. Pela tevê, um emocionado Juan Carlos I, de 76 anos, anunciou a abdicação do trono em nome do filho Felipe. “O príncipe de Astúrias tem a maturidade, a preparação e o senso de responsabilidade necessários para assumir com plenas garantias a chefia do Estado e iniciar uma nova etapa de esperança na qual se combinem a experiência adquirida e o impulso de uma nova geração”, disse. Num país precursor dos protestos organizados via redes sociais com o movimento “Indignados”, de 2011, e que sofre com a crise econômica e o desemprego (em torno de 25%, o maior da zona do euro), a passagem da Coroa não poderia ocorrer sem forte pressão social. “Precisamos de um novo rei?”, questionam os espanhóis.

abre.jpg
SUCESSÃO
O rei Juan Carlos I abdicou do trono para o filho Felipe, que pregou a
união do país em seu primeiro discurso. Nas ruas, manifestantes
exibem cartazes expressando 
o desencanto com a monarquia

INTER-02-IE-2324.jpg

Expresso nas ruas, o desencanto pela monarquia representada por uma figura que, ao nascer, herda poder e privilégios está em seu auge na Espanha. A última sondagem do Centro de Pesquisas Sociológicas, realizada há um mês, mostrou que a aprovação da realeza era de apenas 3,72 de um total de 10. Em 1995, a popularidade rendia uma nota de 7,5. Por ora, no entanto, é muito difícil que haja qualquer mudança no sistema político. Nesse contexto, o principal desafio do novo monarca Felipe VI, com previsão de assumir no fim do mês, será manter a estabilidade das instituições e a integridade territorial. “Essa minoria que está nas ruas, embora seja respeitável, não tem representação suficiente no Parlamento”, disse à ISTOÉ José María Roman, diretor-geral da Fundação Cidadania e Valores, de Madri. “A grande maioria dos partidos aposta na continuidade.”

No trono há 39 anos, Juan Carlos I teve papel fundamental na transição da ditadura militar para a democracia na Espanha, mesmo tendo sido escolhido pelo general Francisco Franco como seu sucessor. Em vez disso, com a morte do ditador em 1975, o rei criou um Estado que, a exemplo do Reino Unido, funcionaria como uma monarquia constitucional. Seis anos depois, Juan Carlos impediu uma tentativa de golpe depois que militares invadiram o Parlamento, reforçando sua legitimidade perante os espanhóis. Isso, contudo, tem pouco valor para quem nasceu após a ditadura. “Os jovens não entendem por que alguém como o rei teve que levar a democracia a eles”, afirma Louie Dean Valencia, pesquisador da Universidade de Fordham, de Nova York, especialista na transição da ditadura espanhola para a democracia. “Há, por isso, uma grande diferença entre a forma como as pessoas veem o rei hoje e 30 anos atrás.”

IEpag118a120_Inter-3.jpg

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

O mal-estar com Juan Carlos se intensificou depois de um safári em Botsuana, na África, em plena crise da dívida em 2012. Na mesma época, a imprensa espanhola insinuou que o rei mantinha um caso extraconjugal com uma assistente. A situação só piorou quando um escândalo de corrupção e tráfico de influência chegou a Iñaki Urdangarin, seu genro, e obrigou o Palácio de Zarzuela a ser mais transparente. No ano passado, uma nova legislação abriu para o público o orçamento da Coroa, que em 2014 deve ser de 7,8 milhões de euros.

A oportunidade de reescrever essa história está agora com Felipe de Borbón, 46 anos, que conseguiu se manter relativamente distante das polêmicas. Classificado pelo pai como “o príncipe mais bem preparado de nossa história”, Felipe foi rigidamente educado para o cargo, com sólida formação acadêmica e militar. Estudou Direito e Economia na Universidade Autônoma de Madri e fez mestrado em relações internacionais na Universidade Georgetown, em Washington, onde dividiu uma república com estudantes de vários países. Esportista talentoso, Felipe participou da seleção espanhola de vela na Olimpíada de Barcelona, em 1992. Há dez anos, é casado com a jornalista Letizia Ortiz, com quem tem duas filhas: Leonor, que, aos 8 anos, passa a ser a princesa mais nova da Europa, e Sofia. Como sua mãe fazia quando era pequeno, ele e Letizia mantêm o hábito de levar pessoalmente as meninas à escola.

No primeiro discurso após a abdicação do pai, dom Felipe falou sobre a importância de manter o país unido. “Em tempos de dificuldade como o que atravessamos, a experiência do passado nos ensina que só unindo nossos esforços conseguiremos avançar em direção a melhores cenários”, disse durante a entrega de um prêmio no Mosteiro de Leyre, na quarta-feira 4. O apelo se opõe à agenda secessionista que ganhou força recentemente com o agravamento da crise econômica e o precedente aberto pela península da Crimeia, que, em março, optou por se separar da Ucrânia e se aliar à Rússia, mesmo sem o apoio de um mecanismo constitucional.

IEpag118a120_Inter-1.jpg

A preocupação do príncipe com a Catalunha está clara desde a criação da Fundação Príncipe de Girona, em 2009, que busca aproximar a região da Coroa por meio de iniciativas na área de educação. Segundo o jornal espanhol “El Confidencial”, desde janeiro dom Felipe organizou encontros com mais de 50 empresários e personalidades catalãs com o objetivo de discutir a questão separatista. Só neste ano, ele já esteve seis vezes na comunidade autônoma. A Catalunha também é um dos locais onde o republicanismo mais cresce e espera que os protestos da semana passada tenham um efeito em seu processo de independência. A região prepara um referendo para se separar da Espanha em novembro, mas o governo não o reconhece, porque essa prerrogativa é contrária à Constituição. Ainda assim, se as manifestações levarem a uma reforma constitucional – o que é improvável –, ela poderia incluir também um trecho favorável à independência da Catalunha e de outras regiões autônomas, como o País Basco. Além desse ponto, o papel do novo rei será especialmente relevante no campo internacional. “Felipe VI será um rei menos propenso ao charme e mais ao profissionalismo num mundo em que as relações internacionais se regem mais por interesses do que por afinidades”, disse à ISTOÉ Alejandro Barón, analista de política externa da Fundação para as Relações Internacionais e o Diálogo Exterior de Madri.

Fotos: AFP PHOTO / PIERRE-PHILIPPE MARCOU; Evrim Aydin/Anadolu Agency/Getty Images, Express/Hulton Archive/Getty Images; AFP PHOTO JAMAL WILSON; AFP PHOTO / CHRISTOPHE SIMON


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias