Dez mil pessoas se espremem debaixo de uma chuva impiedosa. São 22h30 do domingo de Páscoa e desde as 18h elas estão lá, no Leader Clube de Jacobina – cidade baiana a 330 quilômetros de Salvador, com população estimada em 95 mil habitantes – dançando, suando e se afogando em adrenalina à espera da maior atração da noite. O caminho até o camarim minúsculo e capenga, que estremece só com a voz empostada do locutor da rádio local, é árduo e longo. Por ele vem uma trupe simpática, na qual um corpo magro de 1,88m naturalmente se destaca na escuridão sinuosa do local. Antes de pisar no palco ele ainda é o cidadão Francineto Luz de Aguiar, 29 anos apagados num rosto que aparenta muito mais. Mas assim que, guiado pelo pulso forte do segurança Antônio Felipe dos Santos, é obrigado a passar pelo salão de baile onde ficam os “camarotes” do show, a manifestação histérica das meninas deixa bem claro que aquela figura esguia de camisa preta, calça branca e chapéu de caubói é o famoséssimo Frank Aguiar, “O Cãozinho dos Teclados”. Caso você ainda não o conheça, saiba que este piauiense de Itainópolis, localizada a 360 quilômetros da capital Teresina, já tem dois LPs e dois CDs independentes, e mais quatro outros álbuns do projeto Um show de forró cujo volume quatro vendeu 600 mil cópias. O volume cinco, que chega às lojas nesta semana, está saindo com 300 mil cópias vendidas antecipadamente – uma comemoração dupla, pois Frank Aguiar, na segunda-feira 8, pela primeira vez galga o cobiçado palco do Olympia, em São Paulo, para um espetáculo com ingressos a partir de R$ 15. “Não posso deixar meu show inflacionar”, disse o astro a ISTOÉ, que o acompanhou numa pequena turnê nordestina de dois dias.

Desde os 11 anos, Frank Aguiar vem se familiarizando com os palcos, quando carregava uma sanfona, presente do pai, também sanfoneiro. Pouco mais tarde montou uma banda de baile e, aos 16, já fazia apresentações solo com o instrumento que lhe renderia a alcunha de “O Cãozinho dos Teclados”, dado pelo capo da música popular no Nordeste, Emanoel Gurgel, responsável pelo lançamento de vários grupos da chamada oxente music, gênero que eletrificou o forró. O apelido aconteceu por causa dos gritos que o cantor e compositor imprime nos shows e nos discos. É com esta característica que ele costuma iniciar suas apresentações, em média 30 por mês, com cachês que variam de R$ 20 mil a R$ 30 mil. Em Jacobina, foram 28 uivos numa noite em que a volumosa presença feminina dava certo tom nostálgico de jovem guarda, com muitos gritinhos e refrões do tipo: “Lindo, tesão, bonito, gostosão.”

New forró – Regozijo total para Frank Aguiar, que, mesmo com o temporal, colocou a moçada para dançar apenas ao som de seus teclados e de um bom duo formado pelos pernambucanos Baixinho do Sax, 22 anos – que dá o tom pop à festa –, e Carlinhos Pom Pom, também de 22, sanfoneiro arretado, que desenha a linha do new forró sincopando o ritmo de forma contagiante, sabendo entremear momentos extremamente melodiosos. A banda se completa com a graça das backing vocals, as irmãs baianas Simária, “18 anos em 16 de junho”, e Simone, “16 em 24 de maio” – Pirralha e Pirralhinha –, dois exemplos de como se pode dar cor e feminilidade a um espetáculo sem cair na vulgaridade. As duas fizeram mais sucesso na noite anterior, em Petrolina – cidade de 250 mil habitantes, localizada às margens do rio São Francisco e distante 751 quilômetros do Recife – onde a presença masculina não era tão pequena. Nesta apresentação no Espaço Trevo, um público de aproximadamente quatro mil pessoas se divertiu com os gritos de Frank Aguiar vestido de branco, prata, bota marrom e o indefectível chapéu de caubói que ele troca antes de jogar um outro para a platéia. “Autografado”, avisa. Todo mundo sabe, e espera, que no final ele atire um ou dois chapéus.

Em esperteza, pode-se dizer que Frank Aguiar, guardadas as devidas proporções, tem a mesma veia marketeira de Paulo Coelho. Para o novo álbum fez questão de gravar Peão gamado e Na vaquejada – pensando na tradicional Festa do Peão Boiadeiro de Barretos, no interior paulista –, sem contar os hits Anna Júlia, do grupo Los Hermanos, e a lambada Chorando se foi, ambas em ritmo de forró, que ajudam a aumentar a empatia com a platéia sempre disposta a berrar junto com ele. “Será um disco 60% forró e 40% pop”, define. No ritmo dos cifrões, o cantor incluiu e incluirá outros itens na sua carreira. O chapéu já está entre eles. “Mando fabricar cinco mil por mês para jogar e vender nos estandes de shows maiores”, diz. Junto com o CD Um show de forró – volume cinco, ele também estará lançando 100 mil unidades de uma miniatura em pelúcia branca e azul – “minha cor predileta” – do Cãozinho dos Teclados, cujo desenho há tempos adorna as capas internas de seus CDs. “Em outubro, vou lançar um cachorrinho com som. Gravei o grito e mandamos fazer o chip no Japão. Para reproduzir, basta apertar a patinha do cachorro que ele grita”, ensina. Com o tempo, pretende licenciar cachaça e jeans.

McBode – Frank Aguiar ainda acalenta um sonho gastronômico. Ele adora bode. Carne de bode. Feita das mais variadas maneiras. A que mais gosta é preparada pelo próprio com cheiro-verde, ovos, bacon. Tudo misturado no processador. O resultado é hambúrguer de bode, que o forrozeiro frita na chapa e come com pão besuntado de manteiga de garrafa. “A carne de bode é mais saudável”, proclama. Tamanha paixão animal talvez chegue a se materializar para o público. Em São Paulo – onde mora sozinho, num flat no bairro dos Jardins – quer montar um “McBode”, lanchonete na qual hambúrgueres e beirutes serão todos à base da carne de sabor, digamos, típico. Por enquanto, diverte-se na cozinha do flat, separada para ele, de onde saem pratos da linha de “vaca atolada” (refogado de costela bovina cozida na mandioca) e “maria zabé” (arroz de bode). A carne do bicho vem diretamente das suas “duas roças de 100 hectares” cada uma, nas quais também cria gado. “Gosto de comida nossa.”

Se hoje é esta fartura na vida do artista, a infância não foi bonança total. Só de lembrar das dificuldades para estudar, o grandalhão Frank enche os olhos d’água. “Toquei muito na igreja de Itainópolis em troca da mensalidade do colégio”, lembra. Com persistência foi conquistando seu público na região. “Mas eu queria o Brasil, o mundo, e como poderia ser famoso no Piauí?” Não pensou duas vezes. Em 1994 rumou para São Paulo, fez todo o circuito nordestino de casas de forró na periferia e ganhou fãs. Aí entrou o tino comercial. Com a intenção de divulgar os próprios shows, ele mesmo ia às ruas pregar os cartazes. Em lances de maior ousadia, arrendava a casa por um preço fixo. Colocava amigos, conhecidos e parentes que faziam a propaganda e vendiam os ingressos. Completando o esquema, comprava 500 fichas de telefone e passava uma tarde no orelhão ligando para mais amigos e, claro, gravadoras, quantas a paciência das pessoas aguentasse. Depois de 20 dias repetia o esquema. O local lotava. “Não só dava para pagar o dono como ainda sobrava dinheiro”, recorda. “Os nordestinos sabiam que iam encontrar gente igual. Sabiam que iam rever parentes, amigos e encontrar muita mulher”, conta ele, que diz estar solteiro.
Hoje em dia, “O Cãozinho dos Teclados” já mostra com frequência seus cabelos compridos no Programa Raul Gil. Também já apareceu no Domingão do Faustão. Não conquistou totalmente a mídia impressa. Em compensação, em plena segunda-feira é capaz de colocar quatro mil pessoas nas casas de espetáculos do circuito forrozeiro paulistano, com shows que geralmente começam às 3h. Ele jura que quer continuar assim. “Acho um absurdo cobrarem R$ 100 mil por uma apresentação.” Diante de tamanho sucesso entre as bases, Frank Aguiar nem precisa de santo de devoção. Mesmo porque a medalhinha de ouro que carrega no peito tem a efígie exata: a dele próprio.