Parcela significativa de todos os brasileiros que usam computador está envolvida, quer queira ou não, com ações ilegais e criminosas. Na maior parte das vezes, nem sequer imaginam a gravidade do fato. A pirataria de software, uma das formas mais fáceis e atraentes de cair na ilegalidade, sempre foi muito disseminada no País. Mas, segundo levantamentos recentes, tal prática começa a apresentar sinais relevantes de queda. No entanto, mesmo sendo uma boa notícia para a indústria do setor, ainda é um problema que a incomoda (e muito). Para os usuários, ou boa parcela deles, tanto faz quanto tanto fez.

Dados revelados pela Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes) mostram que, no ano passado, 56% dos programas em uso no País eram piratas. Ou seja, foram reproduzidos ou usados ilegalmente, sem consentimento dos fabricantes originais. Para se ter uma idéia do que isso significa, em 1998 o índice de programas ilegais era de 61%. “Não dá ainda para comemorar”, diz Marcos Mylius, coordenador da campanha antipirataria da Abes. “A pirataria ainda é muito alta no Brasil”.

Já foi muito maior. No começo da década de 90, quase nove em cada dez programas usados em computadores brasileiros eram ilegais. O que representava uma perda de US$ 430 milhões para a indústria. O índice de pirataria atingiu seu patamar mais baixo no ano passado. Mas essa indústria nunca perdeu tanto dinheiro devido à produção ilegal: em 1999, US$ 920 milhões foram para as mãos dos piratas e não para as empresas de software. A explicação é simples. Apesar de os índices de ilegalidade terem caído, o mercado potencial da indústria de programas pulou de US$ 500 milhões em 1991 para US$ 1,6 bilhão no ano passado. E o volume de cópias piratas também aumentou. Quanto mais dinheiro é movimentado, mais atraente fica o mercado ilegal.

“As tentativas de pirataria têm crescido e a qualidade das cópias aumentou de forma impressionante”, afirma Mario Sérgio Martinez, chefe da equipe de busca e apreensão da Receita Federal no Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos, São Paulo. O fisco, claro, é um dos grandes interessados no combate à pirataria, porque deixa de arrecadar milhões de reais em impostos todos os anos graças às cópias ilegais. Outro estudo mostra que a Receita arrecadaria US$ 1 bilhão a mais caso o índice de pirataria chegasse este ano ao nível dos EUA, de 27%. Mais importante: 58 mil empregos poderiam ser criados se essa meta fosse atingida.

Paraguai – Esforços para combater a pirataria não faltam. A Receita Federal, por exemplo, conta com o auxílio de aparelhos de raios X e scanners em aeroportos para interceptar malas com CDs piratas. Normalmente, as cópias ilegais vêm da Ásia, onde o custo de produção é muito menor. A rota da pirataria passa pelo Paraguai, depois de uma rápida escala em aeroportos brasileiros, para só então voltar ao País e abastecer bancas de camelôs. Um dos truques é esconder os CDs em malas despachadas. Se e quando são apreendidas, seus donos obviamente nunca aparecem para reclamá-las.

A Abes, maior interessada no combate ao software ilegal, tem investido muito dinheiro em campanhas publicitárias publicadas em grandes jornais. Um dos alvos, paradoxalmente, são os anúncios de venda de softwares piratas publicados nestes mesmos jornais. Até merchandising com essa mensagem tem aparecido em telenovelas. No ano passado, a associação realizou, com auxílio da polícia, dezenas de ações de busca e apreensão de produtos ilegais. Desativou também sete sites de comércio ilegal na Internet. Toda esta movimentação, somada à ação da Receita, resultou na apreensão de mais de duas toneladas de CDs piratas. Para se ter uma idéia de como a pirataria cresce na mesma proporção do mercado, 1,5 tonelada de CDs já foi apreendida desde janeiro no País. A mercadoria costuma ser triturada, incinerada e depois usada na fabricação de cimento. Outra forma de combater a ilegalidade é fiscalizar as empresas que costumam usar softwares piratas. Normalmente, a Abes começa a investigá-las depois que são denunciadas. Geralmente, a denúncia é feita por funcionários demitidos ou insatisfeitos. Depois de obter um mandato de busca e apreensão para recolhimento das provas, as empresas são levadas à Justiça. A pena pode chegar a até quatro anos de prisão, e a indenização pode ser fixada em três mil vezes o valor de cada software pirata encontrado. Boa parte das empresas acaba regularizando sua situação, buscando um acordo com fabricantes legais antes de o valor da indenização ser fixado. Há, porém, quem prefira correr o risco de levar a ação até o fim. É este o caso do grupo Interclínicas, que pode ter de pagar até R$ 3 bilhões de indenização relativos a R$ 1 milhão em softwares piratas achados na empresa.

Pela mesma razão, o mercado dos PCs ainda é essencialmente ilegal – é o chamado “gray market” (mercado cinza). Pesquisa recente do instituto IDC e da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) mostra que mais de 2.500 pequenas empresas de “fundo de quintal” montam PCs com componentes importados de forma ilícita. Elas faturaram mais de US$ 650 milhões no primeiro semestre do ano passado e seriam responsáveis pela sonegação de mais de US$ 576 milhões em 1999. Não foi difícil identificar o principal motivo que leva o usuário a optar pelo produto ilegal: o preço baixo, citado por 49% dos entrevistados. O problema, então, passa a ser o mesmo da indústria de software. “O crime foi banalizado. As pessoas não acham que estão prejudicando as empresas e a comunidade ao diminuir o número de empregos e a arrecadação de impostos”, diz Mylius. O desafio é grande: convencê-las a pagar bem mais por um produto muito semelhante.