Embalada pela voz da baiana Ivete Sangalo, uma inusitada carreata atravessou a avenida Paulista rumo ao Palácio dos Bandeirantes na semana passada. Embora a música Carro velho diga que ruim com ele, pior sem ele, os manifestantes pretendem mesmo é tirar os automóveis sucateados das ruas e estradas. Convocados pelas duas maiores centrais sindicais do País – a CUT e a Força Sindical –, eles deram a largada a um movimento que visa cobrar uma posição do governo federal sobre o programa de renovação e reciclagem da frota nacional. O projeto prevê a concessão de um bônus de R$ 1.800 para quem trocar seu carro com mais de 15 anos de uso por um novo ou seminovo. “O problema é que o governo Fernando Henrique não define se é a favor ou contra. Se estivesse administrando uma empresa, já teria ido à falência”, reclamou Luiz Marinho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, vinculado à CUT, que lançou a proposta em novembro de 1998.
De lá para cá, o setor automotivo não teve dificuldades em alinhavar os detalhes do programa, cuja adesão é voluntária. Só usaria o benefício o dono do carro velho que quisesse tirá-lo de circulação. Dos 19 milhões de automóveis que rodam atualmente pelo Brasil, 5,7 milhões têm mais de 15 anos de uso. “A maioria representa um risco à segurança e à poluição ambiental”, argumenta Marinho. Como seus pares, o sindicalista também está de olho na manutenção do nível de emprego nas montadoras e no provável aumento de postos na cadeia produtiva.
Ocorre, porém, que a participação do governo federal é fundamental na composição do bônus. Caberia a ele reduzir em R$ 700 o IPI, o Imposto sobre Produtos Industrializados. O Estado, por sua vez, forneceria uma isenção de R$ 500 no Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), enquanto as montadoras e concessionárias entrariam com um desconto de R$ 600.
Apesar de FHC já ter se pronunciado a favor do projeto, o último prazo requisitado pelo governo federal para anunciar se assume ou não a empreitada venceu no dia 13 sem nenhuma definição. “O presidente parece estar nas mãos de dois burocratas, Pedro Malan e Everardo Maciel”, afirma o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, referindo-se ao ministro da Fazenda e ao secretário da Receita Federal. Adepto da proposta, o governador de São Paulo, Mário Covas, também criticou a morosidade federal. “O maior problema do País hoje é o emprego, não a arrecadação”, afirmou. Os sindicalistas, acompanhados de 250 metalúrgicos, só entraram no palácio, como estava previsto, graças à intervenção do próprio Covas. No portão, havia um grupo de policiais militares que, em termos de inspiração baiana, pareciam preferir o estilo de seus colegas de Porto Seguro.