Foi a mais longa agonia de um ministro nos dois governos Fernando Henrique Cardoso. Durante cinco meses, o deputado Rafael Greca (PFL-PR) conseguiu sobreviver como ministro do Esporte e do Turismo mesmo sem dar explicações convincentes para as denúncias de que teria se envolvido com a Máfia do Bingo, como divulgou ISTOÉ em seis reportagens. Durante todo esse tempo, Greca fingiu não perceber o incômodo que estava causando ao Palácio do Planalto. FHC só topou esse longo aviso prévio para evitar transtornos à organização da festa dos 500 anos de Brasil. Depois do vexame das comemorações em Porto Seguro (leia mais no quadro ao lado), em que a Polícia Militar baiana espancou índios e outros manifestantes, o presidente retornou a Brasília convencido de que Greca finalmente pediria o boné. Errou na avaliação. O extrovertido ministro continuou a se comportar como se não fosse com ele. Acionados por Fernando Henrique, entraram no circuito o vice-presidente Marco Maciel e o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), padrinhos políticos de Greca. Na terça-feira 25, eles tentaram convencer o ministro de que era melhor deixar o governo na esteira do fracasso da festa do Descobrimento do que cair por causa da montanha de acusações contra ele investigadas pelo Ministério Público e pela Polícia Federal. Também não funcionou. Enquanto nos bastidores do Planalto e na cúpula do PFL atiçava-se o fogaréu da fritura de Greca, de público seu chefe e aliados encenavam um empurra-empurra: ninguém queria aparecer como cozinheiro. Mesmo com tanta vacilação, Greca acabou caindo na última quinta-feira, mas a novela em torno dos bingos ainda promete capítulos emocionantes. O indicado pelo PFL para o lugar de Greca é o deputado Carlos Melles (PFL-MG), que também está na mira do Ministério Público.

A Procuradoria da República está investigando Abrahão Lemos Neto, um apadrinhado político de Carlos Melles que até março era o responsável pela coordenação de bingos do Instituto Nacional do Desenvolvimento do Desporto. Acusado de cobrar propinas para o credenciamento de bingos, Abrahão Lemos foi afastado do cargo e responde a uma sindicância interna do Indesp. Chamou a atenção do Ministério Público o fato de Abrahão ter declarado em sua ficha funcional que mora em Brasília no mesmo apartamento da Câmara dos Deputados cedido a Carlos Melles.

A indicação de Melles mostra que a principal preocupação do PFL com a troca de guarda no Ministério do Esporte é manter sob a tutela do partido a exploração da jogatina eletrônica. Rafael Greca perdeu o posto, mas o negócio bilionário que prosperou durante sua gestão e ajudou a transformar o País num paraíso da lavagem de dinheiro continua intocado. As ligações do PFL com o jogo são antigas. No Congresso, foi o senador Edison Lobão (PFL-MA) quem deu parecer favorável ao projeto que legaliza a abertura de cassinos. Edison Lobão Filho, o Edinho, é um dos principais bingueiros do Brasil. Irmão da governadora pefelista do Maranhão, Roseana Sarney, o empresário Fernando Sarney é um dos donos do Poupa-Ganha, o maior bingo virtual do País. Ele tem como sócio Paulo Guimarães, principal patrocinador do PFL do Piauí.

Competência – Numa tentativa de acabar com a bandalheira em que se transformou a abertura de mais de 5 mil casas de bingo país afora, Fernando Henrique editou em março uma medida provisória transferindo atribuições do Indesp para a Caixa Econômica Federal.

Com a mudança, a competência para autorizar o funcionamento, fiscalizar e aprovar a prestação de contas dos bingos passou a ser da CEF. O Indesp ainda ficou com a tarefa de credenciar as entidades esportivas em nome das quais os bingos são abertos e o jogo eletrônico explorado. Tanto o atual chefe do Indesp, o ex-deputado Augusto Viveiros, como o presidente da Caixa Econômica, Emílio Humberto Carazzai, são homens do PFL.

O Ministério Público avalia que o simples rateio entre a Caixa e o Indesp não é suficiente para moralizar o jogo eletrônico no Brasil, porque se trata de um negócio comprometido até a medula com atividades criminosas.


Investigações de procuradores da República em Brasília e em São Paulo já comprovaram as ligações do bingo no Brasil com criminosos do outro lado do Atlântico. Levantamentos da PF e da Divisão Investigativa Anti-Máfia da Itália mostram que o dinheiro usado para importar, instalar e distribuir as máquinas de bingo no Brasil, através de uma constelação de empresas, tem origem em negócios escusos de grupos mafiosos, como os do capo italiano Fausto Pelegrinetti, um dos maiores traficantes de droga do planeta. Levantamentos do MP apontam que existem no País perto de 30 mil máquinas caça-níqueis, gerando lucros anuais superiores a R$ 1 bilhão. Um grande negócio, qualquer que seja o ministro.

Greca sai do governo, mas não se livra dos processos. Na quinta-feira 27 o Ministério Público entrou na Justiça Federal com 11 ações cautelares de improbidade administrativa contra o ex-ministro. Dez delas dizem respeito a convênios assinados em dezembro do ano passado entre o Indesp e prefeituras para a construção de quadras esportivas. Os convênios apresentam todo o tipo de irregularidades, como falta de assinatura de prefeitos, inexistência de projetos e não-apresentação de planilha de custo. A Procuradoria está analisando outros 600 convênios assinados no mesmo período que totalizam um montante de R$ 64 milhões. A outra ação contra Greca aponta irregularidades na construção da nau capitânia que consumiu R$ 2,3 milhões do Ministério sem licitação e acabou se transformando num verdadeiro mico para o governo nas comemorações dos 500 anos do Descobrimento. Com toda a tecnologia deste final de milênio, a réplica da caravela de Pedro Álvares Cabral simplesmente não funcionou. Como Greca, foi a pique.