Há alguns anos, ornitólogo era o amante da natureza que ia ao campo de bonezinho e binóculo observar passarinhos. Hoje, esse tipo está sendo substituído por outro mais comercial. Só no Brasil existem cerca de cinco mil criadores de pássaros, que cultivam filhotes às centenas, passam meses fazendo complicados cruzamentos genéticos e abastecem o mercado com espécimes belíssimos. O hobby alia competição, paciência, preservação ambiental e, é claro, lucro. O carioca Jorge Pina, 49 anos, gaba-se de ser o papa da criação de periquitos no Brasil. Pela importância e variedade de espécies que conseguiu reproduzir em cativeiro, há 13 anos chega ao cúmulo de exportar periquitos ingleses para a Inglaterra. Único sul-americano no júri de campeonatos internacionais de ornitologia, ele afirma fazer arte com penas. “O macho e a fêmea são meus pincéis. Sua combinação dará o tom que procuro”, diz.

No Brasil, há pelo menos três importantes campeonatos de ornitologia por ano. Há duas semanas, o 9º Quiko Open, realizado em Campinas, contou com a participação de 50 criadores que trouxeram 3.150 aves. Em torneios como o Campeonato Brasileiro, que será realizado de 10 a 14 de maio em Jaraguá do Sul, Santa Catarina, um pássaro pode chegar valendo R$ 300 e, se ganhar o título de campeão, seu passe pode alcançar R$ 2.500. Para formar campeões, os criadores precisam ter traquejo. Na hora da reprodução, além da suposta química entre o casal – como acontece com os seres humanos –, a fêmea pode rejeitar o macho por puro capricho, é necessário um estudo genético. Um diamante gould de cabeça vermelha, por exemplo, só pode ser cruzado com outro da mesma cor. Caso contrário, terá filhotes manchados ou pequenos demais. Fertilização in vitro, nem pensar. Em ornitologia não se usa doping, clonagem ou qualquer outro artifício para se fabricarem campeões. “A última coisa que um criador quer é ir contra a natureza”, diz o veterinário Marcius Vinícius de La Pasta, dono de um viveiro com 1.300 pássaros em Guapi Mirim, região serrana do Rio. “Além de perder nossa credibilidade, poderíamos deixá-los estéreis.”

La Pasta aprendeu o ofício com o pai, criador de pássaros, e hoje ostenta um viveiro de 500 metros quadrados, com 1.300 aves que rendem muitos prêmios. Para tratá-las, basta um pouco de água, alpiste e farinha de grãos. Num computador, ele cataloga todos os seus agapornis (aves de bico curvo, semelhantes aos papagaios). Só vende os que não considera suficientemente bons para competições.
Essa função comercial da ornitologia não é discriminada nem mesmo pelos tradicionais observadores de aves, como o francês Jacques Villiard, professor de Biologia da Unicamp. Ele passa a vida viajando para o Pantanal e reservas ecológicas de gravador na mão a fim de registrar o canto de aves. Seu trabalho resultou em quatro CDs e ele não se sente ameaçado pela atividade dos ornitólogos comerciais. “Pesquiso aves em extinção. Os criadores se encarregam de abastecer o mercado, inibindo a prática do contrabando.”


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