Barbaridade, tchê! Os gaúchos que se aproximam do precipício e olham Santa Catarina lá embaixo não conseguem disfarçar a surpresa diante da paisagem. A divisa exata entre os dois Estados sulinos é a extremidade dos cânions que integram o relevo da serra Geral, separando os elevados campos do Rio Grande do Sul da baixa planície catarinense. As estreitas reentrâncias dos paredões de basalto concedem à região o sugestivo nome de Aparados da Serra. Singrando as escarpas e os vales, inúmeros rios abençoam o terreno e abrem-se em sucessivas quedas d’água. Só em São José dos Ausentes, município localizado na fronteira com Santa Catarina, já foram catalogadas mais de 100 cachoeiras. Mas quem imagina águas escaldantes e tardes de sol durante o ano todo pode vestir a bombacha. A região é das mais frias e úmidas do Brasil, com índices pluviométricos semelhantes aos da Amazônia. “Uma vez ao ano, as coxilhas (colinas) se cobrem de neve”, garante Argemiro Cardoso, chefe da estação de meteorologia de Ausentes. Mais alta do que a vizinha São Joaquim, a cidade amarga o triste recorde de 7,9 graus negativos.

O frio batizou o município, onde está localizado o Monte Negro, ponto mais alto do Estado, 1.403 metros acima do Atlântico. Diz a lenda que a região era tão inóspita à sobrevivência que espantava os colonos. A solução encontrada pelo governo foi repartir a terra entre famílias de imigrantes portugueses. Passados cinco anos, agentes encarregados do censo populacional encontraram as fazendas vazias. Os sobreviventes ao frio e à fome – já que quase nada vinga em terras onde a camada de solo é tão estreita – não hesitaram em abandonar a cidade. Os latifúndios foram repartidos mais uma vez e tudo voltou a se repetir. Sempre que o censo chegava à cidade, os moradores estavam ausentes.

O efeito da inversão térmica é surpreendente nos altos cânions. A umidade que vem do litoral esbarra nas escarpas de até 700 metros de altura e é condensada em pesadas nuvens. O fenômeno é conhecido como “Nada”. “Estamos a 30 quilômetros da praia, de onde o ar quente é soprado contra o frio da serra. Quando o Nada surge, fica impossível enxergar o próprio braço”, explica o biólogo Paulo Konzen, guia turístico da agência Maracajá. O secretário de Turismo de São José dos Ausentes, Aécio Boeira, sugere que as visitas à região devem ser feitas no verão. “As fazendas que servem de pousada não contam com calefação ou com infra-estrutura adequada para receber hóspedes no inverno”, diz. “O que há de interessante aqui é justamente isso: quem sai da pousada dá de cara com uma vaca”, afirma.

Com olhos no que chama de turismo rural, o secretário incentiva a última moda gaúcha, o “mula-trekking”. Os aventureiros refazem os caminhos percorridos pelos antigos tropeiros, beirando a encosta dos cânions sobre o lombo de mulas durante um dia inteiro. Após a noite, passada em galpões de fazenda na companhia indispensável de sacos de dormir, o grupo desce a encosta. “Para vencer o declive, o segundo dia de jornada é cumprido a pé, às vezes com o auxílio das mãos”, exalta Boeira. A pouco mais de 50 quilômetros de Ausentes, Cambará do Sul é a porta de entrada para o Parque Nacional de Aparados da Serra, administrado pelo Ibama. Nele está o cânion Itaimbezinho, seu principal cartão-postal, cujo significado em tupi é “pedra cortante”. “Sua garganta profunda faz parte do maior conjunto de cânions da América Latina”, diz o gerente Paulo Cezar Reys Bastos.