As crises acontecem por impulso e são desproporcionais às situações que as motivaram. Sem conseguir se controlar, o indivíduo grita, xinga, bate, atira objetos. Às vezes, as agressões podem ser sérias. Por causa disso, muitas vezes a pessoa acaba tendo problemas de relacionamento na família, no trabalho e com desconhecidos na rua, principalmente no trânsito. Fala-se aqui da manifestação de uma doença chamada Transtorno Explosivo Intermitente (TEI). Ela faz parte dos distúrbios do impulso, categoria de enfermidades psiquiátricas da qual consta também o impulso incontrolável de atacar a geladeira à noite. Há estimativas de que nos Estados Unidos cerca de 20 milhões de adultos sejam portadores. No Brasil, levantamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo mostra que ele é o distúrbio mais prevalente entre os transtornos caracterizados pela impulsividade.

abre.jpg

Justamente por conta de sua incidência (cerca de 3% dos brasileiros) e dos prejuízos que traz ao paciente e a quem com ele convive, a medicina trabalha para conhecer melhor suas particularidades. Um passo nesse sentido foi dado recentemente: pesquisadores da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, analisaram 200 pacientes e descobriram que eles apresentam concentrações elevadas de duas substâncias (proteína c-reativa e interleucina-6). Os compostos estão associados a processos inflamatórios gerados como resposta a agressões ao organismo. “Esses dois marcadores estão consistentemente vinculados ao transtorno e não aparecem relacionados a outros problemas psiquiátricos”, disse à ISTOÉ Emil Coccaro, professor do Departamento de Psiquiatria e Neurociência Comportamental da instituição americana e coordenador do trabalho.

O pesquisador acredita que a descoberta abre algumas possibilidades. “Se a inflamação crônica aumenta a tendência a comportamentos agressivos, então tratá-la pode diminuir o problema”, afirmou. Outra questão levantada é a realização de um teste medindo as taxas das duas substâncias para confirmar o diagnóstico. “Esses exames já existem. Mas é preciso pesquisar mais para saber como aplicá-los e usá-los para complementar a avaliação clínica”, ponderou.

FURIA-02-IE-2323.jpg
EXPERIÊNCIA
A psicóloga Vânia (acima) usa terapia para tratar.
A psiquiatra Liliana coordena único serviço especializado do País

FURIA-01-IE-2323.jpg

Atualmente, o diagnóstico é feito exclusivamente pelo médico e pelo psicólogo especializado, a partir de análise clínica. Há critérios bem estabelecidos para caracterizar o transtorno, como o registro de ataques de agressividade em média duas vezes por semana por um período de três meses ou a ocorrência de três explosões comportamentais envolvendo dano ou destruição de propriedades e/ou agressão física resultando em lesão corporal contra animais ou pessoas em um período de um ano. “Se as crises são esporádicas, podem ser reflexo de outros distúrbios ou mesmo de um estresse crônico”, explica a psiquiatra Liliana Seger, coordenadora do Grupo de TEI do Ambulatório dos Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

O grupo é o único do País especializado no tratamento da doença. Lá, ele consiste na combinação do trabalho da psiquiatria com a psicologia. Em geral, o paciente toma antidepressivos. E participa de sessões em grupo de um tipo de terapia chamada cognitivo-comportamental (que objetiva identificar e mudar padrões de pensamento associados a comportamentos indesejados). São 15 sessões de terapia e, depois de um mês, mais três sessões quinzenais para a prevenção de recaídas. “Temos um alto índice de sucesso”, afirma Liliana.

01.jpg

Em seu consultório em São Paulo, a psicóloga Vânia Calazans também usa a terapia cognitivo-comportamental. “O paciente aprende a identificar a razão de determinados comportamentos, de suas reações explosivas, de sua dificuldade em lidar com as emoções e com o gerenciamento do sentimento de raiva”, explica a psicóloga. Vânia também utiliza a hipnoterapia cognitiva como uma ferramenta da terapia cognitivo-comportamental. “Com o método, a pessoa consegue relaxar profundamente e dar novos significados a pensamentos”, diz.

Não se fala em cura do transtorno. O que se consegue é ajudar o paciente a se controlar. “Ensinamos os portadores a lidar de forma assertiva com a raiva, a expressar seus sentimentos de outra forma”, afirma a psiquiatra Liliana. “Quando eles começam a ter experiências positivas, sentem-se orgulhosos de si mesmos. Isso os leva a ter mais vontade de se comportar de forma adequada”, assegura Vânia.

Fotos: Kelsen Fermandes, Gabriel Chiarastelli – Ag. Istoé