Ele começou mal. O advogado Carlos Frederico Marés assumiu a presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai) em novembro do ano passado e, dois meses depois, demitiu Orlando Villas-Bôas, um dos indigenistas mais conceituados do mundo, do cargo de assessor. Embora Villas-Bôas estivesse em situação irregular – acumulava salário e pensão vitalícia, o episódio causou enorme constrangimento ao presidente FHC. “Se ele fosse diplomata, estaria no Itamaraty”, defendeu o então ministro da Justiça José Carlos Dias. Mesmo assim, Marés tem a simpatia das ONGs e organizações indígenas. Principalmente depois de ter repudiado a violência da polícia baiana, que destruiu um monumento de protesto construído pelos pataxós em Coroa Vermelha. “Os índios não têm nada para comemorar”, admite. Com a queda de Dias, ficou vulnerável e provou que, de fato, não é diplomata. Acusou o ministro dos Esportes e Turismo, Rafael Greca, de ser o responsável pela confusão na Bahia e sugeriu sua saída do governo. Ouviu um cala-a-boca da Presidência, mas não perdeu a piada: “Agora eu quero que ele fique no Ministério até o final dos tempos.” Hoje ele está afinado com as pretensões do governo e sonha com uma Funai regionalizada, reclama da falta de verbas e da lentidão dos funcionários e acha que os índios devem produzir mais do que consomem.

ISTOÉ – Quais serão seus desafios?
Carlos Frederico Marés – As demarcações e a aprovação do novo Estatuto dos Povos Indígenas são minhas prioridades. Há problemas recentes, como o surgimento de verdadeiras cidades em terras indígenas na Amazônia e o aumento dos suicídios entre os guaranis no Mato Grosso do Sul.

ISTOÉ
– O novo estatuto está para ser aprovado há nove anos. O lobby para impedi-lo é muito forte?
Marés – Não há lobby nenhum. Espero que saia até o final deste ano. O problema é que ou ele traz novidades e promove os direitos coletivos dos índios ou não faz sentido mudar de estatuto. Há um medo da novidade, do direito coletivo, de legislar coisas novas. O atual é o Estatuto do Índio. O novo estatuto é do povo, da sociedade, da nação. Isso não existe na legislação brasileira.

ISTOÉ – O que é que está errado na Funai?
Marés – Um dos grandes problemas é o assistencialismo exacerbado que ela criou com alguns povos. Este assistencialismo sai caro. É preciso inverter esta lógica, o que não é muito fácil, porque os assistidos se ressentem.

ISTOÉ – E também mais descomprometida com as necessidades dos índios?
Marés – Em parte, sim. Temos de romper com o assistencialismo tradicional. Grupos e etnias devem ter seus próprios projetos de desenvolvimento, com a perspectiva de auto-sustentabilidade. Alguns povos precisam receber determinado grau de assistencialismo, suficiente para a manutenção das suas necessidades extraterritoriais. O contato com o homem branco fez surgir outras necessidades, que o tipo de produção dos índios não consegue obter. Eles não produzem excedentes e, portanto, não podem trocar por um machado, uma foice, um martelo, um facão, ferramentas necessárias. Mas outras necessidades são luxo.

ISTOÉ – É o caso da televisão e das roupas, por exemplo?
Marés – Televisão, roupa, tipos de comida que eles não produzem e aprenderam a comer, como carne de gado e de galinha. Os índios aprenderam a usar estas coisas. Então eles têm de produzir excedentes para poder comprar. A Funai não pode arcar com isso.