"Em 23 anos de profissão, nunca tive um paciente tão contraditório, com oposições tão intensas. Durante sete meses virei do avesso o Brasil, tentando entender e diagnosticar seus conflitos. Essa análise do País está registrada no livro Outros 500, uma conversa sobre a alma brasileira (Editora Senac), escrito em parceria com a jornalista Lucy Dias e lançado no final do ano passado. O mergulho me fez perceber um país que tem ao mesmo tempo a graça e a chatice de uma criança e a rabujice de um velho. É como um adolescente inseguro, que sofre com a indefinição de identidade e ainda se impressiona muito com o olhar do outro. Tudo isso não nos deixa alcançar a tão almejada maturidade. Sofremos um complexo de inferioridade patológico. Falta-nos um espelho para que possamos olhar e dizer: isso somos nós, com esses defeitos e essas qualidades. Nesse processo confuso de crescimento, há a folclorização das virtudes. O Brasil se orgulha da beleza de suas mulheres e da alegria de viver do povo, mas não encara isso como uma qualidade. Nós ainda acusamos os nossos pais pelos nossos defeitos, sem assumi-los. Numa releitura do Descobrimento, acho que deveríamos deixar de lado a fantasia do ato mágico do começo e também assumir nossa porção indígena. Temos um pai branco, supervalorizado, mas ausente, e uma mãe índia rejeitada e esquecida. Muito antes da mãe negra, que de alguma forma faz parte do nosso imaginário, existiu a mãe índia, que se juntava ao branco, era batizada e perdia o vínculo com sua tribo. Acontece que nos identificar com a mãe índia seria aceitar a cultura dos vencidos muito mais do que aceitar a mãe negra. Essa relutância não nos deixa ver que o nosso grande ventre é índio. A falta de uma identidade clara é também o cerne da valorização do estrangeiro.

Temos uma insegurança coletiva quanto à capacidade de vencer na vida, então, pegamos um vencedor e projetamos nele nossos sonhos. O grande desafio do País é olhar sem medo nosso lado negativo, cujo maior símbolo é a pobreza. O desenvolvimento do Brasil sempre implica o aumento da miséria. É uma estrutura injusta. Celebrar 500 anos seria ter maturidade para encarar essa perversidade camuflada na sociedade que construímos.”
Roberto Gambini, terapeuta formado no Instituto C.G. Jung, de Zurique

Orgulho

Miscigenação
“Temos um dos plantéis genéticos mais ricos do mundo”
Sentimento “Apesar de injusta, a sociedade tem a semente da compaixão

Vergonha
Escravidão “Uma dívida que não foi nem reconhecida nem compensada”
Auto-estima “A falta dela impede a construção de uma nação mais digna”