"Os 500 anos do Brasil são a oportunidade de se discutir a espacialidade da América Latina. É preciso fazer uma revisão crítica da nossa história. A beleza de se promover a ligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico ficou no passado. Hoje temos de lidar com a herança errática do colonialismo, um misto de desastre e miséria disseminados. Impossível não lembrar de que somos um país onde alguns surtos de desenvolvimento foram calcados na escravidão. Destruíram populações, línguas, costumes e sabedorias indispensáveis. Por causa disso, ainda maltratamos nossos rios e tornamos inviável a vida nas cidades. Em arquitetura, a especulação imobiliária enterrou o sonho de se construirem cidades em que a população pudesse viver e circular livremente. Os robocops da Marginal Pinheiros (edifícios inteligentes, com sofisticados sistemas de segurança, que abrigam escritórios e sedes de empresas na cidade de São Paulo) são assustadoramente exclusivistas. Em vez de nos convidar a admirar a beleza de suas formas, proíbem a entrada das pessoas e parecem sempre ordenar: “afaste-se”. Também falhamos ao idealizar as chamadas habitações populares. Em ver de erradicar o déficit de moradias, os governos só conseguem estimular a criação de bolsões de pobreza nas periferias. É como se as pessoas mais pobres fossem obrigadas a ficar para sempre longe do coração das cidades. Em 500 anos, criamos mais proibições do que aberturas. Está na hora de tentar desfazer esse desastre, mostrando às pessoas que a arquitetura não serve apenas para construir palácios, mas para transformar e aprimorar a geografia das cidades.”
Paulo Mendes da Rocha, 71 anos, é arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

Orgulho
Pioneirismo “Fizemos cidades em locais inóspitos, como Santos”

Progresso “Temos sistemas de transporte como o de São Paulo, que leva 16 milhões de pessoas”

Ter esperança “É possível reverter o quadro de miséria e degradação das cidades”

Vergonha
Exclusão social “Estamos repetindo o colonialismo, com especulação financeira e a corrida desenfreada pelo lucro”

Falta de memória “Esquecemos o nosso patrimônio histórico, e ele deveria ser convocado sempre”

Desumanização “As modernas construções não são feitas para acolher a população”