"A colonização influenciou muito o caráter ético e político da sociedade brasileira. Os padrões da cultura ibérica se projetaram na colônia e moldaram uma regra de convivência que é muito rigorosa e moral no plano pessoal, mas é muito frouxa e pouco ética no plano público. A nossa sociedade é fundada sobre o pior trabalho – o escravo. Por isso, transpira desprezo e preconceito contra o trabalho. Isso impregnou toda a sociedade. Como nunca houve uma real democratização no Brasil, todas as transformações na nossa sociedade aconteceram pelas mãos das elites, que sempre promoveram as reformas. Isso fez com que de alguma maneira essa ética pouco pública fosse atualizada permanentemente no Brasil.

As relações da política com a ética no Brasil não são transparentes. O que mudou para melhor no País foi o comportamento das classes dominadas, que passaram a exigir mais transparência, fazer exigências quanto à política, ao governo, aos negócios públicos. No entanto, esse não é um processo fácil porque tem avanços, tem recuos, tem momentos de conjuntura que são muito regressivos. Vivemos um momento regressivo, nesse aspecto, desde Collor de Mello, que atravessou o mandato de Itamar Franco e é notório no mandato de Fernando Henrique Cardoso, que tem pouca transparência, tenta abafar as oposições, além de tirar a credibilidade dos atores e sujeitos políticos. A corrupção, por exemplo, é atualizada pelo capitalismo na sua fase atual porque no capitalismo contemporâneo as fronteiras entre o público e o privado são muito tênues e móveis. Existe uma fronteira, mas ela depende sobretudo da atitude dos grupos políticos, sociais e econômicos.

Essa fronteira tênue, às vezes, é transposta e transforma-se em promiscuidade. E é isso que está patente hoje no Brasil.

Eu diria que o balanço da história do nosso país no aspecto da política e da ética é mais propositivo do ponto de vista da consciência que grandes grupos sociais dominados e com diferenças étnicas, religiosas e sexuais vêm apresentando, tentando construir, a meu modo de ver, uma esfera pública mais transparente, onde a demarcação do privado e do público fique mais facilitada. Mas as elites trabalham permanentemente contra isso. Então é um embate cujo saldo é positivo, mas ele acusa momentos de recuos bastante sérios.”

Francisco de Oliveira é professor titular do Departamento de Sociologia da USP (Universidade de São Paulo) e ex-presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

Vergonha
“Se tivesse um motivo para me envergonhar do País, eu me envergonharia do comportamento das elites”

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Orgulho
Os grupos sociais dominados lograram ter voz, conseguiram falar por si próprios. Com isso, eles passaram a exigir mais transparência na política e no governo”


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