Apesar do ambiente de greves e protestos pelo País, o ministro da Justiça diz que a Polícia Federal estará preparada caso haja problemas durante evento futebolístico

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RIGOR
O ministro José Eduardo Cardozo diz considerar inaceitável e ilegítimo
que funcionários públicos possam prejudicar o País em meio à Copa do Mundo

Na quarta-feira 14, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) produziu uma decisão que trouxe alívio às autoridades envolvidas com a organização da Copa do Mundo. Através de uma liminar, o STF proibiu que delegados e agentes da Polícia Federal realizem greves durante a Copa, possibilidade que só contribuía para ampliar o clima de mal-estar que faz parte da paisagem dos últimos dias. Superior hierárquico da Polícia Federal, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, celebrou a decisão. “Ela permite pensar que teremos tranquilidade durante a Copa”, disse o ministro, em entrevista à ISTOÉ.  “Mas, se, por outro lado, tivermos algum problema, teremos todos os meios para suprir qualquer deficiência”, afirmou. Cardozo diz não considerar “legítimo” que interesses corporativos sejam colocados acima dos interesses do País, sobretudo durante a Copa, “em que o mundo vai observar o Brasil”.

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"O nosso sistema penitenciário é medieval. Mesmo lembrando
que há exceções, muitas penitenciárias
são escolas da criminalidade"

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"Concordo com algumas críticas, mas fico preocupado
quando se fala em escolher os ministros a partir
de uma lista votada pelo  próprio Judiciário"

 
ISTOÉ

Qual é a importância da liminar que impede a Polícia Federal de fazer greve durante a Copa do Mundo?

 
José Eduardo Cardozo

A greve das polícias militares já é proibida pela Constituição. A liminar do Superior Tribunal de Justiça reafirma uma decisão anterior de dois ministros do Supremo Tribunal Federal, que já haviam definido que corporações armadas não podem fazer greve. Essa jurisprudência foi reafirmada agora. A liminar do STJ ainda deixa claro que outras ações, como operação tartaruga e qualquer outra que implique o desrespeito ao dever legal, também não são aceitas pelo nosso sistema Judiciário.   

 
ISTOÉ

O sr. acha que o risco de greves da PF está afastado?  

José Eduardo Cardozo

Não acredito que profissionais que são pagos com dinheiro do povo para garantir o cumprimento da lei vão tomar a iniciativa de desrespeitar uma decisão da Justiça. Acredito que teremos tranquilidade durante a Copa. Mas, se, por outro lado, tivermos algum problema, teremos todos os meios para suprir qualquer deficiência.

 
ISTOÉ

Qual é a motivação real de um movimento de greve da Polícia Federal durante a Copa?  

 
José Eduardo Cardozo

Existe uma discussão salarial. Mas temos também uma situação de conflito interno na Polícia Federal, entre agentes e delegados, que perdura há mais de uma década, e que já extrapolou qualquer plano racional. Esse conflito começou depois da Constituição de 1988, que proíbe que um servidor já concursado possa participar de concursos internos para ser promovido de função na carreira. Por essa razão, quem entra na PF como agente não pode virar delegado, situação que criou um conflito no qual interesses corporativos se colocam acima dos interesses da polícia e da própria sociedade.

 
ISTOÉ

Por exemplo…

 
José Eduardo Cardozo

Os agentes já me apresentaram a proposta de que não se tenha delegados na função de diretor-geral da Polícia Federal. Queriam que fosse um deputado ou ex-deputado, o que era inaceitável. 

 
ISTOÉ

Muitos dirigentes sindicais estão em campanha para uma cadeira de deputado, estadual ou federal. Isso complica? 

 
José Eduardo Cardozo

Há quem diga que estes assumem um discurso mais radical porque precisam de palanque para suas candidaturas. 

 
 
ISTOÉ

E o que o sr. diz como ministro?

 
José Eduardo Cardozo

O ministro observa. Nós consideramos legítimo que os servidores procurem obter melhores condições de trabalho. Mas não consideramos legítimo que interesses corporativos sejam colocados acima dos interesses do País, ainda mais num momento como a Copa, em que o mundo vai observar o Brasil.  E eu considero inaceitável imaginar que funcionários públicos tomem medidas, seja por interesse corporativo, seja por interesse eleitoral, ou qualquer outra razão, que possam prejudicar o País e atrapalhar a Copa. 

 
ISTOÉ

Há uma  crise de hierarquia na Polícia Federal?

 
José Eduardo Cardozo

Não. Há abusos, que estão sendo investigados, de forma independente, pela Corregedoria. Aqueles que forem considerados culpados serão punidos.

 
ISTOÉ

Recentemente, foi denunciado que um ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto da Costa, preso na Operação Lava Jato, conduzida por um juiz federal, pediu um habeas corpus para tomar banho num fim de semana.  

 
José Eduardo Cardozo

Não tenho por hábito comentar ações que dizem respeito a outros poderes.

 
ISTOÉ

Mas esse diretor estava sob cuidados da Polícia Federal, que não permitiu o banho…

 
José Eduardo Cardozo

Não recebi, por parte dos advogados e mesmo por parte do paciente do habeas corpus, como se diz, nenhuma reclamação. Se tivesse recebido, certamente teria mandado a Corregedoria investigar o que aconteceu. Foi o que fiz no caso de um policial que fazia tiro ao alvo com uma caricatura da presidenta Dilma Rousseff.  

 
ISTOÉ

Certa vez, o sr. gerou polêmica ao dizer que preferiria cometer suicídio a cumprir pena numa penitenciária brasileira. 

 
José Eduardo Cardozo

Eu já tinha dito a mesma coisa, na tribuna da Câmara, quando era deputado, e nada aconteceu. Na verdade, só deixei claro que não iria esconder a sujeira embaixo do tapete. O nosso sistema penitenciário é medieval. Mesmo lembrando que há exceções, muitas penitenciárias são escolas da criminalidade. Mas estamos trabalhando duro,  junto com os Estados, para realizar melhorias. O governo federal tem um programa de R$1,1 bilhão só para a construção de 60 mil celas, nos Estados.

 
ISTOÉ

Uma discussão colocada pela situação dos presos da Ação Penal 470, também chamada de mensalão, é a falta de vagas para o regime semiaberto. Por quê?

 
José Eduardo Cardozo

Primeiro, porque é difícil construir presídios no País. A população quer ver pessoas cumprindo penas, mas ninguém quer um presídio perto de casa. Segundo, os governos deveriam dar estímulos econômicos a municípios que concordem em construir presídios, mas raramente se faz isso.  

 
ISTOÉ

Os presídios para o regime semiaberto são mais caros? 

 
José Eduardo Cardozo

São mais baratos. O Paraná desenvolveu um sistema, que nós colocamos à disposição de outros Estados, que é muito semelhante ao Minha Casa Minha Vida. É um sistema de casas,  fácil de executar, que permitiria o cumprimento da pena em condições adequadas àquelas fixadas pela Justiça. Mas ao longo da história – não é um problema de hoje – a maioria dos governos dos Estados não atentou para isso. 

 
ISTOÉ

O sr. já encontrou privilégios e regalias nos presídios brasileiros? 

 
José Eduardo Cardozo

A situação é desigual. Em alguns lugares, você tem uma negação absoluta de direitos. Em outros, de reconhecimento pleno. É preciso tomar cuidado com isso. Uma pessoa pode chamar de regalia aquilo que em muitos casos é apenas um direito. 

 
ISTOÉ

O sr. já viu privilégios? 

 
José Eduardo Cardozo

É possível que existam, mas nunca encontrei. Garanto que em nossos presídios federais,  de segurança máxima, não existe privilégio

 
ISTOÉ

É possível imaginar que algum condenado da Ação Penal 470 acabe sendo conduzido a um presídio federal?

 
José Eduardo Cardozo

Veja: a entrada em presídios federais implica uma série de requisitos. São requisitos de periculosidade e outros. Não creio que neste caso esses requisitos estejam colocados. 

 
ISTOÉ

Vamos falar de Henrique Pizzolato, que fugiu para a Itália, onde está preso, aguardando julgamento do pedido de extradição do governo brasileiro. Quem está cuidando desse pedido é o Ministério Público. Não seria natural que, numa negociação de governo com governo, o Ministério da Justiça respondesse por isso, negociando com os italianos?  

 
José Eduardo Cardozo

Houve um diálogo sobre isso. A tradição  é que o tribunal que cuida da ação faça uma demanda ao Ministério da Justiça, que repassa a solicitação para o outro país.  Neste caso, o ministro Joaquim Barbosa entendeu que caberia ao Ministério Público fazer a solicitação. 

 
ISTOÉ

Não seria correto o Executivo fazer isso? 

 
José Eduardo Cardozo

Não. Quem decide a forma pela qual as normas do direito são aplicadas é o Judiciário. 

 
ISTOÉ

O sr. concorda com os métodos atuais de escolha de ministros do STF?

 
José Eduardo Cardozo

Conheço as propostas de mudança, concordo com algumas críticas, mas nenhuma ideia nova me convenceu inteiramente.  Fico preocupado quando se fala em escolher os ministros a partir de uma lista votada pelo  próprio Judiciário. Isso fecha o Supremo para quem não é juiz de carreira, quando eu acho que ele só tem a ganhar com a presença de outros operadores do direito, com atuação em outras áreas. O risco é o corporativismo. 

 
ISTOÉ

O sr. será candidato a uma vaga no STF, quando deixar o governo?

 
José Eduardo Cardozo

Não.