Afundada na crise econômica, com inflação e desemprego em alta, a Argentina agora tem se dedicado a uma atividade pouco nobre – sumir com os seus pobres. Pelo menos no papel. Depois que o governo adiou a divulgação dos índices oficiais de pobreza e indigência relativos ao último semestre de 2013, num contexto de queda na aprovação da presidente Cristina Kirchner, a manipulação de dados no Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec) ficou evidente. Segundo o Indec, 4,7% da população se enquadra no que os especialistas chamam de linha da pobreza, o que dá cerca de dois milhões de argentinos. O dado, porém, está muito longe da realidade.

Segundo ex-técnicos do Instituto, a pobreza real aflige 36,5% dos argentinos, o equivalente a cerca de 13 milhões de cidadãos. As estatísticas são tão desencontradas no país que os institutos de pesquisa sofrem para encontrar uma média, fundamental para o desenvolvimento de políticas públicas. O Observatório da Dívida Social, da Universidade Católica, estima a taxa de pobreza em 27,5%. Na semana passada, a Central de Trabalhadores da Argentina (CTA), ligada a Cristina, disse que o índice é bem menor. Segundo a CTA, os pobres correspondem a 18,2% da população. Ainda assim, a proporção é quase quatro vezes superior ao último dado divulgado pelo governo.

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ELES SÃO MUITOS
Construções precárias na periferia de Buenos Aires: quantos são os miseráveis?

A causa para a ocultação dos números e para o agravamento da situação social pode estar na inflação. Em janeiro, o Indec introduziu uma nova metodologia para o cálculo da variação de preços e, pela primeira vez, o governo admitiu uma inflação mensal acima de 1%, embora ainda menor do que a medida por consultorias particulares. Assim, a explicação oficial para o atraso na divulgação do número de pobres está na metodologia, mesmo que os números se refiram ao ano passado. Para os analistas, a pobreza tem avançado porque a inflação cresce num ritmo maior que a massa salarial e o peso segue em desvalorização. Como resultado, a pressão social só aumenta. Na quarta-feira 14, um novo protesto organizado pelo líder da Confederação Geral do Trabalho, Hugo Moyano, o mesmo sindicalista que convocou a greve geral de 10 de abril, tomou o centro de Buenos Aires. Os trabalhadores pedem reajustes de até 31%.

Foto: Enrique Marcarian/REUTERS