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A estratégia de difundir o medo e criar fantasmas na cabeça do eleitor para tentar demonizar adversários políticos costuma ser de altíssimo risco. Quando utilizada em campanhas eleitorais, equilibra-se num fio de navalha. Qualquer erro no tom pode ser fatal para a candidatura empenhada em recorrer a esse expediente. O retrospecto histórico, no Brasil e no Exterior, elenca casos bem e malsucedidos da tática eleitoral de desqualificar o oponente inoculando o pânico.  Mas há uma situação em que adotá-la se torna quase um suicídio eleitoral: quando ela confronta o sentimento de mudança reinante no eleitorado. Praticamente todas as vezes em que isso ocorreu, a estratégia se revelou um equívoco e o candidato terminou derrotado nas urnas. Um exemplo clássico de malogro eleitoral assentado na tática de disseminar o terror em meio a um clima de mudança no País ocorreu em 2002, quando o então candidato Lula, ao encarnar a esperança, triunfou sobre o medo propagandeado por José Serra, candidato do PSDB. Na ocasião, o tucano exibiu em seu programa eleitoral a atriz Regina Duarte dizendo temer o repaginado Luiz Inácio Lula da Silva e aquele novo PT.  Hoje, a situação se assemelha à de 2002 em relação ao estado de ânimo do eleitor. Segundo as últimas pesquisas, 74% do eleitorado deseja mudança. Anseia que o próximo presidente altere “muito” ou “quase tudo” na gestão do governo. Mesmo assim, o PT resolveu arriscar.  Na última semana, a campanha à reeleição da presidenta Dilma Rousseff levou ao ar uma série de filmetes de um minuto de duração nos quais pessoas são exibidas enxergando a si próprias num passado recente, quando não tinham acesso a emprego, escola, saúde e lazer. Ao fundo, uma trilha sonora em tom e ritmo lúgubres. “Não podemos deixar que os fantasmas do passado voltem e levem tudo que conseguimos com tanto esforço”, afirma o locutor. “Nosso emprego de hoje não pode voltar a ser o desemprego de ontem. Não podemos dar ouvidos a falsas promessas. O Brasil não quer voltar atrás”.

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Em suma, o programa petista tenta alardear que, caso Dilma não seja reeleita, as conquistas sociais serão perdidas. O discurso está alinhado com os últimos pronunciamentos públicos da presidenta. Dilma tem insinuado, nas últimas semanas, que os candidatos de oposição Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) podem trazer desemprego e arrocho salarial. O objetivo é claro: estancar a queda de popularidade de Dilma a partir da conquista do eleitorado que melhorou de vida, mas até agora se mostrava refratário à presidenta.  O real impacto da nova estratégia só poderá ser aferido com maior precisão nas próximas pesquisas de intenções de voto. Mas a campanha da lavra do marqueteiro do PT, João Santanta, avalizada pela cúpula do partido em reunião prévia, da qual participaram o ex-presidente Lula, o presidente da sigla, Rui Falcão, e o ex-ministro Franklin Martins, já foi capaz de produzir um dado negativo. Nas redes sociais a hashtag #PTmentindoNaTV ocupou o topo dos chamados trending topics (assuntos mais comentados na internet) durante a exibição do programa. Mesmo que o feito possa ser atribuído em parte à guerrilha digital da oposição, é inegável que, para alcançar tamanha repercussão negativa, é necessário que o resultado nada alvissareiro para Dilma e o PT tenha sido impulsionado também pelo mau humor do eleitorado. Ciente disso, a oposição aproveitou para disparar uma saraivada de críticas ao radicalismo da campanha de Dilma e à sua tentativa de incutir o pânico na cabeça do eleitor. Aliado da petista até setembro do ano passado, Eduardo Campos foi o autor do discurso mais contundente. “Bolsa Família não é conquista de partido nenhum, é conquista do povo brasileiro que ninguém vai tirar. Vamos parar com esse terrorismo, com essa falta de respeito de querer discutir o Brasil agora na base da ameaça e do medo. O povo brasileiro não tem medo dessas ameaças”, afirmou o socialista. O tucano Aécio Neves, por sua vez, ironizou: “O medo do desemprego é do PT, que teme perder os empregos que tem no governo”, disparou. O cientista político Gaudêncio Torquato questiona a eficácia da estratégia de tentar disseminar o terror. “O terrorismo linguístico que começa a subir a montanha não chega perto das massas. Apenas reforça posições de camadas já sedimentadas”, diz ele. “Campanhas negativas podem até aumentar a rejeição ao candidato que as patrocina”, avalia o cientista político José Paulo Martins Jr., da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. O PT, no entanto, dá sinais de que, ao menos por ora, não pretende recuar. “O vídeo tocou muito a militância do partido. Vamos virar o jogo”, anima-se o vice-presidente do PT, o deputado cearense José Guimarães

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Apostar na manutenção da tática pode ser um tiro no pé. Desde a redemocratização do País, a retórica do medo se revelou bem-sucedida apenas quando a população, em sua maioria, ansiava pela continuidade. Ou, então, em situações em que a tática fora utilizada por candidatos que personificavam a mudança, nunca pelos que se opunham a esse desejo. Em 1989, a campanha de Fernando Collor aproveitou as declarações do então presidente da Fiesp, Mário Amato, segundo as quais “800 mil empresários deixariam o Brasil” caso Lula ganhasse as eleições, para incutir o medo contra o PT. A tática deu certo e Collor venceu as eleições. Vale lembrar, porém, que, na ocasião, era o então candidato do PRN quem representava no imaginário do eleitor o “novo”, embora representasse na verdade as velhas oligarquias do Nordeste, e encarnava a mudança desejada pela população com promessas de acabar com os marajás. Lula, ao contrário, ainda remetia a João Goulart e à funesta consequência do fantasma comunista: golpe militar e duas décadas de ditadura. Em 1998, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sagrou-se vitorioso, no primeiro turno, ao disseminar o temor pela volta da inflação.  Na ocasião, entretanto, o ambiente era de continuidade, como em 2010, quando Serra tentou demonizar o PT associando-o às Farcs e fracassou nas urnas. Nas eleições no Exterior também são fartos os exemplos da tática do medo, e os  efeitos de sua utilização costumam ser semelhantes aos daqui. Em 2008, nos EUA, a vice do candidato Republicano John McCain, Sarah Palin, espalhou o terror difundindo que o democrata Barack Obama atentaria contra direitos individuais. O resultado eleitoral todos sabem.

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