Na semana passada, um “experimento”, palavra usada pelo próprio presidente José Mujica, foi colocado em prática no Uruguai. Desde a terça-feira 6, todas as etapas da venda de maconha, droga mais consumida no mundo, tornaram-se legais assim que Mujica reconheceu a legislação aprovada pelo Parlamento em dezembro do ano passado. Com isso, o Uruguai passou a ser o primeiro país a regular a erva por meio de um sistema estatal. Embora os cidadãos possam cultivar em casa para consumo pessoal, eles também terão de se registrar e seguir as regras definidas pelo governo, que incluem um limite de produção de até 480 gramas por ano ou seis mudas por residência – independentemente de quantas pessoas vivam lá. Já as vendas em farmácias, de até dez gramas semanais, que devem começar nos próximos seis meses, estarão restritas a quem estiver disposto a cadastrar suas impressões digitais. “A venda nem sequer vai ser mediante assinatura”, disse Mujica em entrevista à rede britânica BBC. “Vai ser com o polegar.”

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CRÍTICA
Para José Mujica, presidente uruguaio, a política repressiva só aumenta o consumo

Os pacotes de maconha, cujas informações genéticas serão aprovadas e arquivadas pelo recém-estabelecido Instituto de Regulação e Controle da Cannabis, terão códigos de barras. Quem vai abastecer os pontos de venda é o próprio governo, que mediará a produção – prevista entre 18 e 22 toneladas anuais – em áreas protegidas pelo Ministério da Defesa em Montevidéu e nas províncias do sul do país. Apesar de orgulhoso pelo título de país mais liberal da América do Sul, onde a prostituição, o jogo, o aborto e o casamento gay também são legalizados, o Uruguai evita relativizar os efeitos da maconha para a população. A propaganda de produtos relacionados à droga foi proibida, assim como o fumo em escolas, locais públicos fechados e táxis. Além disso, motoristas flagrados sob o efeito da maconha podem perder sua licença para dirigir e funcionários de empresas podem ser suspensos se pegos fumando no local de trabalho. “A regulação permite maior controle das famílias sobre o consumo recreativo, que atrai tantos adolescentes, à medida que abre espaço para um diálogo aberto e reduz o poder dos traficantes”, disse à ISTOÉ Jacqueline Ponzo, médica e presidente da Sociedade Uruguaia de Medicina Familiar e Comunitária. “Também será positiva do ponto de vista da pesquisa científica, porque muita informação é limitada pela condição de ilegalidade da maconha.” Para Jacqueline, a possibilidade do uso medicinal abre ainda um novo mercado para a capacitação de profissionais da área.

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Jovem apoia a nova lei em marcha pela maconha em Montevidéu.
Usuários agora poderão plantar a erva em casa

O que a iniciativa uruguaia expõe, a seu modo, é a falência da guerra às drogas. Em um artigo publicado na semana passada no “Financial Times”, o megainvestidor George Soros disse que a política de repressão fez mais mal do que bem, resultando, nas últimas quatro décadas, em um fracasso de US$ 1 trilhão aos governos do mundo inteiro. Segundo o presidente Mujica, há 25 anos o Uruguai tinha entre mil e 1,5 mil consumidores de maconha e, depois de tanto tempo de “política repressiva”, o número só cresceu. O governo estima que hoje existam cerca de 150 mil usuários e que ao menos um terço dos presos esteja encarcerado por situações relacionadas ao narcotráfico. Na semana passada, segundo a imprensa local, um jovem que havia sido detido por portar 20 gramas foi liberado de acordo com a nova lei. Agora, quem violar a legislação estará sujeito ao pagamento de multas de até dois mil pesos uruguaios (o equivalente a quase R$ 200) e à expulsão do registro nacional da maconha.

Fotos: Matilde Campondonico/AP Photo