Após três anos de tramitação e muita discussão, a Câmara dos Deputados aprovou, na semana passada, projeto de lei que permite a publicação de biografias não autorizadas. A decisão contraria as vontades de figurões da classe artística brasileira, como Caetano Veloso, Chico Buarque e Djavan, que, no fim de 2013, vieram a público defender a manutenção das regras atuais que regulam esse tipo de obra. De acordo com o Código Civil brasileiro, é possível vetar livros escritos sem autorização prévia dos biografados ou de seus herdeiros. A decisão da Câmara sinaliza um avanço na busca pela liberdade de expressão e pelo acesso à informação no Brasil e foi comemorada por escritores e pelo mercado editorial. “Estamos muito satisfeitos com essa aprovação. O atual artigo do Código Civil é inconstitucional e precisa ser revisto”, disse Sônia Machado Jardim, presidente do Sindicato Nacional de Editores de Livros (SNEL).

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A proposta, de autoria do deputado Newton Lima (PT-SP), defende que não é necessária autorização prévia para publicar biografias de pessoas cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade. Caso das personalidades que se posicionaram contra as obras não autorizadas. Reunidos no grupo Procure Saber, criado pela empresária e ex-mulher de Caetano, Paula Lavigne, em 2013, músicos como Chico Buarque, Djavan, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Roberto Carlos e o próprio Caetano causaram polêmica ao declarar que o respeito ao direito à privacidade e à intimidade é mais importante que a livre circulação de informações. Tachados de defensores da censura, e frente à enxurrada de críticas, o grupo voltou atrás e suavizou o discurso. “Não negamos que essa vontade de evitar a exposição da intimidade, da nossa dor, ou da dor dos que nos são caros, em dado momento nos tenha levado a assumir uma posição mais radical”, disse Roberto Carlos em vídeo divulgado pelo grupo, que ele abandonou meses depois.

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VETO
Roberto Carlos censurou uma biografia sua em 2007.
Pelo texto aprovado na Câmara, isso não será mais possível

A polêmica sobre as biografias não autorizadas no Brasil começou justamente por conta de uma ação do próprio Roberto Carlos. Em 2007 foi tirada de circulação a obra “Roberto Carlos em Detalhes”, de autoria de Paulo Cesar de Araújo. Por não concordar com a publicação, Roberto entrou na Justiça ameaçando multar a editora Planeta em R$ 3 milhões, caso ela não suspendesse e recolhesse o livro. Um acordo foi feito entre as partes, mas o autor Araújo diz que continua brigando para poder liberar a obra. “Havia uma aberração jurídica no caso das biografias não autorizadas no País e eu estou muito otimista com essa decisão da Câmara dos Deputados”, disse o escritor. “Agora vou esperar que o Roberto Carlos se manifeste.” O advogado de Roberto, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, declarou que a aprovação do projeto de lei não muda nada no caso desse livro, mas diz ver a medida como algo positivo “É claro que o direito à informação é importante, mas desde que sejam informações verdadeiras e não injuriosas. E esse direito deve estar no mesmo patamar do direito à intimidade”, opina Kakay.

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"Pensei que o Roberto Carlos tivesse o direito de
preservar sua vida pessoal. Parece que não"

Chico Buarque

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Após a decisão da Câmara, o projeto de lei agora segue para análise no Senado e, se for aprovado, irá à sanção da presidenta Dilma Rousseff. Enquanto isso, uma ação movida pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel) também tramita no Superior Tribunal Federal (STF) desde 2012 e aguarda o parecer da ministra Cármem Lúcia. Caso o projeto vire lei antes da decisão do STF, a ação vai perder seu objeto, mas não deixará de ser celebrada pelas associações de editores. “Nenhuma grande democracia ocidental cerceia tanto a liberdade de expressão de autores quanto o Brasil”, diz Gustavo Binenbojm, advogado da Anel. “Precisamos avançar nesse território e a suspensão da autorização prévia para a publicação de biografias já é um grande passo”, disse. Resta saber como as estrelas da música brasileira vão encarar essa derrota.

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"Editores e biógrafos ganham fortunas enquanto aos
biografados resta o ônus do sofrimento e da indignação"

Djavan

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"Sou a favor de biografias não autorizadas de Sarney ou Roberto Marinho.
Mas as delicadezas do sofrimento de Gloria Perez e o
perigo de proliferação de escândalos são tópicos
sobre os quais o leitor deve refletir"

Caetano Veloso 

Fotos: Luis Macedo/Acervo da Câmara dos Deputados; Cleiby Trevisan/AG.ISTOÉ; Christian Gaul; Divulgação


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