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inimaginável O pesquisador John Asara estudou as células do crânio do tiranossauro para comprovar sua tese

"Quanta ironia”, diria o famoso paleontólogo americano Barnum Brown (1873-1963) se estivesse vivo para comentar, na semana passada, a mais recente descoberta científica naquele que foi o seu campo de atuação. Uma viagem no tempo: em 1902, Brown e sua equipe vasculhavam o oeste dos EUA quando encontraram ossos que remontam a um gigante de 68 milhões de anos. “Podemos chamá-lo de Tyrannosaurus rex, que significa lagarto-tirano-rei”, disse ele na época. Agora o presente: mais de um século depois, vem a grande surpresa – e a ironia. Quem diria que aquele monstro de aproximadamente seis metros de altura, 14 metros de comprimento e mandíbula capaz de abocanhar meia tonelada de alimento é primo da nossa conhecida galinha? Isso acaba de ficar comprovado na experiência do pesquisador John Asara, da Faculdade de Medicina de Harvard, publicada na conceituada revista Science. Asara analisou fragmentos minúsculos de proteína extraídos de um fóssil de Tiranossauro. O resultado é a primeira prova genética desse parentesco galináceo.

“Agora há prova molecular dessa ligação entre aves e tiranossauros”, disse Asara. É certo que os paleontólogos já suspeitavam dessa linha evolutiva, mas eram apenas suspeitas. Para chegar a uma conclusão, Asara partiu de outro estudo desenvolvido pela cientista Mary Higby Schweitzer, da Universidade Estadual da Carolina do Norte. Ela analisara em laboratório fragmentos do crânio de um dinossauro e encontrara proteínas pertencentes às fibras conectivas, também conhecidas como colágeno e que dão suporte a tecidos do corpo. “Quando minerais são removidos de ossos humanos, em algumas partes restam colágeno. Esses vestígios serviram de pistas”, diz ela. Asara deu então o pulo-do-gato utilizando uma das mais modernas técnicas, a espectometria de massa, para determinar a composição química dos fragmentos ósseos encontrados por Mary. Ele decompôs as suas proteínas e isolou seqüências de aminoácidos, obtendo seqüências independentes. Já aí veio uma surpresa: cinco delas são de uma classe específica de colágeno.

O passo seguinte foi comparar as seqüências encontradas nos fósseis com as de animais vivos. Em pouco tempo saltou-lhe aos olhos o espantoso resultado: os tipos de proteínas encontrados no fóssil pré-histórico são compatíveis com os de galinhas. Os dados revelados catalisaram nos últimos dias a atenção de cientistas de todo o mundo dispostos a compreender como um gigante predador capaz de atingir 72 quilômetros por hora resultou numa ave que corre 12 quilômetros por hora para disputar um punhado de milho. Uma das respostas vem do engenheiro biomecânico John Hutchinson: “A trajetória dessa espécie, assim como a de tantas outras, também se deu por adaptação ao meio.” Segundo ele, apesar da brutal diferença entre o tamanho de um tiranossauro e o de uma galinha, a anatomia de ambos deixa claro o parentesco: “Montei em computador uma galinha de seis toneladas para estudar os seus movimentos. Há muitas semelhanças entre os dois animais.”

Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Paleontologia, Ismar de Souza Carvalho, as espécies evoluem a cada geração conforme as suas necessidades de sobrevivência. Atualmente, Carvalho e a equipe do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro estudam esse processo com um fóssil encontrado na cidade paulista de Marília. “Trata-se de uma nova espécie de crocodilo que viveu há 90 milhões de anos e se chama Adamantinasuchus navae”, diz ele. Através do esqueleto desse animal foi possível organizar o cenário de vida de sua espécie. Diferentemente de outros crocodilos, ele vivia em ambiente terrestre, não era caçador como seus parentes e tinha estrutura óssea menor, medindo cerca de 50 centímetros de comprimento e pesando aproximadamente dez quilos. Muito tempo antes de os cientistas atuais levantarem tais questões, o naturalista francês Lamarck já ensinava em 1809 que os seres vivos evoluem para se adaptar ao meio. Como o tiranossauro foi dar na galinha, isso ainda não se conhece. Sabe-se, no entanto, que geneticamente são parentes, que a necessidade de adaptação ao meio ambiente fez o seu “trabalho” e que o monstro pré-histórico nela se perpetuou.