Há dez anos, a maior e melhor parte da instigante obra audiovisual de Cinthia Marcelle é composta por coreografias de ações coletivas em espaços públicos. A artista posiciona sua câmera fixa desde um ângulo alto e opera performances e atuações – de pessoas ou veículos. Em seus quadros vivos, a artista orquestra situações que funcionam como alegorias das relações humanas. A harmonia social pode ser representada por 16 músicos de uma banda que se encontram em uma encruzilhada (“Cruzada”, 2010); e a tensão urbana é desenhada em “Confronto” (2005), com oito acrobatas que ocupam a faixa de pedestre impedindo o avanço dos carros. Os dois trabalhos audiovisuais atualmente apresentados por Cinthia e Tiago Mata Machado na Galeria Vermelho sugerem situações de conflitos sociais e se inserem na linhagem de “Confronto”.

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“O Século”, vídeo de 2011, já foi apresentado, entre outras exposições internacionais, na mostra “The Ungovernables”, a trienal do nova-iorquino New Museum (2012). Foi realizado no calor de dois grandes movimentos políticos – a Primavera Árabe e o Occupy Wall Street –, mas anos antes do “despertar do gigante” – imagem figurada para as irrupções massivas da insatisfação da população brasileira contra as representações políticas da atualidade. Em “O Século”, a revolta não tem cara: é praticada por agentes que estão fora da visão da câmera. Eles começam atirando pedras, paus, vidros e, num crescendo, lançam capacetes, cadeiras, galões, pneus, até preencher completamente o quadro com caos, poeira e fumaça.

Em “Rua de Mão Única” (2013), o segundo vídeo apresentado, a artista dá corpo físico ao conflito e coloca em cena o manifestante brasileiro. O mesmo cenário – a rua de uma cidade qualquer –, atingido por paus e pedras, é cruzado por manifestantes, que montam uma barricada e ateiam fogo. Aos poucos, o quadro é esvaziado e dominado pela fumaça. Nesse caso, onde há fumaça, há fogo.